quinta-feira, 30 de julho de 2009

ARMENTIÉRES ABRIL 1918

...- Ao entrar na casa vi o morgado com ar aterrado a observar-nos, a nós, um grupo de selvagens. Era jovem, pouco mais velho do que eu, naquela altura. Não o consegui olhar nos olhos. Meti-me por umas escadas que levavam ao primeiro andar. Outros homens, que como eu se sentiam enganados, acompanhavam-me. Todos íamos em silêncio. Por isso ouvíamos perfeitamente aqueles bandidos a atacarem o desgraçado do morgado.
- Tiveste pena dele?
- Imensa pena. A mim nunca me tinha prejudicado. Até tinha cara de bom homem. Mais tarde confirmei isso. Ajudava muito o povo de Alfeizerão.
- E então? Como ficou toda a história?
- O melhor está para vir meu caro Rouxinol. Depois de ter chegado ao primeiro andar entrei num quarto iluminado com uma candeia de azeite. Fui surpreendido com a presença de um bebé.
- Havia ali um bebé?
- Filho do morgado. Fiquei extremamente aflito. Temi pela segurança daquela criança. O Barreto Raposo e os dois ajudantes eram bem capazes de matar aquele inocente, só porque era herdeiro do morgado. Pus a minha cobardia para trás das costas e fiz por salvar aquela criança. Foi um momento de alegria. Começava a ficar bem comigo mesmo.
Ao dizer estas palavras, as lágrimas corriam envergonhadas pelo rosto de António Avilar.
- Chorar faz bem - disse o Rouxinol - quando temos o peito cheio de coisas ruins, as lágrimas trazem esses males cá para fora.
- É verdade amigo. A vida é estranha. Desde essa noite já se passaram oito anos e eu nunca tive oportunidade de falar nisto a ninguém. Havia o destino de ordenar que o fizesse numa trincheira, para um homem que eu mal conheço.
- Estás arrependido de me teres contado?
- Não caro amigo. Se desabafei contigo, é porque alguma coisa fez com que confiasse em ti. És bom rapaz e o contacto com a morte, o cheiro dela, acabou por desfazer esta parede que existia em mim.
- A mãe do bebé onde estava?
- Ainda hoje não sei quem é. Quando entrámos no solar não havia lá mulher nenhuma. Apenas o morgado e o bebé.
- Que fizeste com o bebé?
- O bebé era um menino. Consegui tirá-lo da casa sem que ninguém visse e atravessei a noite indo deixá-lo na minha casita, para que a minha Luísa tratasse dele. Eu tinha casado havia cerca de um ano. Ninguém desconfiou de nada, até porque eu e a minha mulher nunca fomos de muitos falatórios. A nossa vida já nos dava cuidados de sobra. Mas a partir desse momento, a minha vida modificou-se por completo. Tive de fugir à raiva do Barreto Raposo, por o ter abandonado. Ele teve medo que eu falasse. Mas a minha cara encher-se-ia de vergonha se o fizesse. E também não o fiz porque não estava interessado em ser preso.
- Preso? Mas porquê?
- O Barreto Raposo obrigou o infeliz do morgado a assinar um documento, pelo qual lhe vendia a herdade. Quando o Raposo se apanhou com o documento assinado, matou o morgado e o seu capataz. Os meus colegas daquela infeliz noite puseram-me ao corrente de tudo. O Raposo foi depois à Conservatória do Registo Predial de Alcobaça com o tal documento assinado e assim se fez dono da herdade. É claro que deve ter levado uma sacola bem recheada de moedas para ajudar ao negócio. O cantar de moedas sempre apressou as vontades. E ainda mais numa altura de confusão!
- E os dois mortos onde foram enterrados?
- Isso ninguém me soube dizer. Só aqueles malandros conhecem qual o chão que serve de sepultura àqueles homens.
- E os da herdade não reagiram?
- E como Rouxinol? Como? O Barreto Raposo apareceu em Alfeizerão com um ror de homens, mais aqueles dois abutres. Havia promessas de muito trabalho para os do Bombarral. Os tempos corriam para os mais assassinos. O povo de Alfeizerão deve ter aceitado com muita mágoa, mas que pode o bom do povo fazer contra uma mente poderosa e astuta? Olha, lá vivem todos. Já se passaram oito anos. O senhor da herdade é agora o Barreto Raposo. O pão vai saindo do forno, o povo vai comendo, longe da vista... longe do coração, e assim um crime deste tamanho fica sem castigo e o meu rico menino é dono do que lhe pertence, mas não tem.
- Mas afinal porque é que te alistaste?
- Alistei-me em 1915. Havia cinco anos que ia a casa às escondidas. Deixei de fazer vida normal com a minha Luísa. Tivemos uma menina. Nasceu em 1914. Ela mal me conhece. Então pensei: se havia de fazer vida de saltimbanco, que o fizesse com dignidade. Sou saltimbanco pelas cores da bandeira. Ganho orgulho, à força perdi o medo. Com tanto que já passei, estou finalmente preparado para enfrentar o Raposo e repor a verdade, nem que para isso vá ter à cadeia. Mas os campos de França deram-me a coragem que eu precisava para lutar pela minha honra.
- Estás então decidido a repores a verdade?
- Estou sim Rouxinol. A minha vida parou naquela noite. Para ela recomeçar a andar, eu tenho de tirar o maldito Raposo de dentro daquela casa. Tenho uma herdade para entregar ao menino que lá tenho em casa, já que ajudei a que lha roubassem.
- Como se chama o menino?
- Quando o tirei da casa do pai, ele deveria ter um anito. Com certeza que já teria nome. Mas como não houve ninguém que dissesse qual, pusémos-lhe o nome de Carlos Avilar. Também já devia ter sido baptizado. Mas Deus talvez não se importe que um dos seus filhos tenha dois baptismos. Connosco está há oito anos, deve pois ter nove anitos. É uma jóia de criança. Lá me chama de pai, e de mãe à minha Luísa. E realmente que somos nós para ele senão pais?
- És um homem às direitas. Deus te ajude na tua missão. O teu Carlitos um dia há-de sentir orgulho de ti... (pág. 52)

in QUANDO UM ANJO PECA

Março/1998

segunda-feira, 27 de julho de 2009

A MINHA FIGURA HISTÓRICA



Desde muito novo que acalento um carinho muito especial pela figura de D. Nuno Álvares Pereira. Desde que o conheci, que se me afigurou como um grande herói, que saindo de um conto de fadas veio para Aljubarrota auxiliar os poucos portugueses contra os imensos castelhanos.
Na realidade, ainda hoje, quando penso nessa imensa figura da nossa história, que viveu no alvorecer da época dos Descobrimentos, como tal, nunca conheceu o seu país como uma grande potência mundial, tendo a associá-la aos cavaleiros da Távola Redonda, sabendo, logicamente, que o rei Artur nunca existiu, ao contrário de D. Nuno Álvares Pereira, que foi um verdadeiro esteio para a manutenção da independência, nem nunca as lendas de Merlin alguma vez se embrenharam em bosques lusitanos. Mas esta tendência ilustra bem o fascínio que a figura do Condestável exerce sobre o meu imaginário.
D. Nuno Álvares Pereira, além de ter estado na base da vitória de Portugal sobre Castela, no dia 14 de Agosto de 1385, nos campos de Aljubarrota, tem muitas responsabilidades na edificação da Casa de Bragança. Como tal será ele o responsável pelo nome dinástico que a partir do séc. XIV está na génese da monarquia portuguesa a partir do início da segunda dinastia.
Fui encontrá-lo, para meu regozijo, como o padroeiro da unidade militar em que prestei o meu serviço militar- a Escola Prática de Infantaria de Mafra. É o dia 14 de Agosto o dia da unidade, recordando-se assim, todos os anos, a Batalha de Aljubarrota.
Foi com surpresa que soube que D. Nuno Álvares Pereira havia sido beatificado pelo Vaticano, em 1915, no pontificado do Papa Bento XV. Acho que muito poucos portugueses o saberiam. Curiosamente, foi o Papa Bento XVI que o canonizou, recentemente, em 26 de Abril.
Não é que eu dê grande relevância a qualquer canonização, mas percebi agora porque razão ao meu herói chamavam O Santo Condestável.

sábado, 25 de julho de 2009

AS INSEGURANÇAS DO MESTRE

Não há dúvida de que o verdadeiro artista é aquele que coloca, permanentemente, um ponto de interrogação na qualidade da sua produção artística. E se existirem dúvidas, leia-se:

«...Pegue no «Padre Amaro», e escreva sobre ele, com justiça, sem piedade, com uma severidade férrea- o seu juízo- e remeta-mo. Tenho absoluta necessidade disto: mas nada de improvisos espirituosos, ou de fantasias-uma crítica à Planché- austera, carrancuda e salutar.-Eu que já agora-pertenço todo à arte-vou por um caminho que não sei qual é: é o bom, o sublime, o medíocre? Isolado no meu quarto, produzindo sem cessar, sem crítica externa, sem o critério alheio, abismado na contemplação de mim mesmo, pasmado ás vezes do meu génio, sucumbindo outras sob a certeza da minha imbecilidade-arrisco-me a faire fausse route...»

Newcastle, 7 de Novembro de 1876

carta de Eça de Queiroz a Ramalho Ortigão

in Obras de Eça de Queiroz- Cartas e Outros Escritos

quarta-feira, 22 de julho de 2009

NA EMOÇÃO DA ESCRITA I (excertos)

Houve um silêncio entre os dois homens. Outros companheiros dormitavam, agarrados às suas espingardas de “baioneta calada”. Outros ainda admiravam o céu estrelado e alguns outros conversavam entre si.
- Tu és voluntário? - perguntou o Rouxinol de rosto carregado de incredulidade.
- É verdade. Estou “nas Franças” porque quero.
- És casado?
- Sou, sou casado com a minha Luísa. Lá está no Bombarral à espera do meu regresso. Fui feliz em me ter casado com ela.
- Posso-te perguntar porque motivo vieste provar a lama francesa?
- Podes, mas é uma história comprida.
- Não faz mal. Não tenho mais nada para fazer. Os Alemães ali ao lado também gostam do descanso.
Ambos riram.
- Está bem Rouxinol. Faz-me mesmo bem desabafar. Ainda te lembras dos tempos da monarquia?
- Lembro-me de alguma coisa. Quando chegou a república eu tinha doze anos.
- Pois eu lembro-me muito bem. Os oito anos que te levo de avanço deram-me oportunidade de ter consciência das muitas injustiças que se faziam ao povo. E ouvindo eu falar da república, como um ideal novo que trazia a justiça onde ela fazia falta, logo me tornei republicano. O problema foi ter dado ouvidos a quem não devia.
- Algum mau republicano - exclamou o Rouxinol.
- Nem mau nem bom. Antes um oportunista, um bandido que se aproveitou da boa fé das pessoas simples e da sua vontade em quererem melhorar a vida. Esse patife chama-se Barreto Raposo. Era um rico negociante de gado lá no Bombarral. Quando se deu a república disse duas ou três coisas que me pareceram acertadas e me incendiaram os sentimentos da revolta. A mim e a alguns outros homens lá da terra. Nós bem que sabíamos que ele não tinha boa fama, mas levados pelo ardor da revolução esquecemos tudo e decidimos segui-lo, esperançados que ele nos iria dar o céu.
- E não deu?
- É como vês Rouxinol. Este sítio onde estamos agora é o céu que eu ganhei. Esse Raposo dos infernos disse-nos que em Alfeizerão, uma terra a doze léguas do Bombarral, existia uma rica herdade, propriedade de um morgado. Convenceu-nos de que com a chegada da república os monárquicos não tinham direitos às terras e que eram obrigados a vendê-las àqueles, que com posses, aderiam à república. Disse-nos que tudo estava tratado e que era só chegar à herdade do tal morgado, assinar uns papéis, porque o negócio já estava apalavrado. E assim, três noites depois da revolta de 05 de Outubro, vi-me metido num grupo de dez homens a caminho de Alfeizerão.
- Queres dizer então que foram de noite.
- Sim, fomos de noite.
- E porque razão não foram de dia?
- Boa pergunta Rouxinol. Eu deveria ter feito essa mesma pergunta mas infelizmente não a fiz. Afinal, se as intenções eram boas, se não havia ali nada a esconder, bem que nos podíamos ter poupado a uma viagem daquelas tão incómoda. Doze léguas na garupa de um cavalo e ainda por cima de noite, tem que se lhe diga.
- Mas chegaram a entrar na tal herdade?
- Para mal dos meus pecados, entrámos. Assim que lá chegámos fiquei a saber que me tinha metido com um bandido dos da pior espécie.
- E porque razão não te vieste embora?
- Não podia. No grupo dos dez homens, além dele, seguiam dois indivíduos que só olhar para eles parecia que víamos o diabo. Se eu dissesse que me vinha embora caía ali redondo.
- Mas o que aconteceu para te sentires assim tão mal?
- O maldito do Barreto Raposo, ainda mal tinha posto os pés no chão, já corria para a porta de entrada da casa do morgado como um louco, a ruminar qualquer coisa entre dentes. Logo os dois crápulas que tinha ao seu serviço o ajudaram. Num ápice arrombaram a porta ao homem. Eu fiquei perdido. Nem me mexi de cima do cavalo. Nesse momento percebi que ali não havia nada de legal. Eu estava simplesmente a participar num assalto. O malandro troou os ares com o seu vozeirão, a ordenar-nos que revistássemos a casa. Foi de certo o pior momento da minha vida...
- Ainda pior do que este?
- Muito pior Rouxinol. Aqui corro o risco de morte, mas em defesa da minha pátria. É consolador sentir isso. Naquela altura, eu não agia em benefício de ninguém. Era um fora da lei, embora soubéssemos que a lei era pouca ou nenhuma nos tempos que corriam. Por isso o malvado do Raposo sentia-se à vontade. Ao entrar daquela maneira, naquela casa, tive vergonha de mim mesmo. Entrei porque fui cobarde.
- Querer proteger a vida é uma coisa natural!
- Pois é. Mas quando se protege a nossa vida, para acabar com a vida dos outros, e ainda por cima quando esses outros têm tanta culpa como nós pelas circunstâncias que nos envolvem, então deixamos de ser inocentes e passamos a ser cúmplices.
António Avilar fez uma pausa. Enquanto os dois se mantinham calados, ouvindo o sussurro de muitos homens, que como eles se mantinham enlameados na trincheira portuguesa, ele ia trabalhando com as mãos, olhando para a mortalha que a pouco e pouco tomava a forma de um cigarro, vendo imagens já com oito anos de existência, acontecidas no Portugal longínquo... (pag. 49)

in QUANDO UM ANJO PECA

Março/1998

terça-feira, 21 de julho de 2009

HOMENAGEM A 3 HOMENS ESPECIAIS

Associando-se às comemorações, a nível planetário, do 40º aniversário da 1ª ida do homem à lua, que teve lugar no dia 20 de Julho de 1969, este blogue presta a sua singela mas muito carinhosa homenagem à tripulação da Apolo 11, constituída pelos astronautas Neil Armstrong, Edwin Aldrin e Michael Collins, que com a sua coragem e amor à ciência deram novos horizontes à humanidade.
Sem qualquer dúvida, o dia 20 de Julho de 1969 ficará para a história, como a data da descoberta do fogo da era moderna.

sábado, 18 de julho de 2009

AUTO DE FÉ


Sob a beleza fria do luar reflectido num céu nublado, recorta-se o símbolo medieval cristão.
A natureza do cosmos ilumina a natureza humana.
Mas, recuando nos tempos, aquela mesma natureza cósmica lembra-se de ter iluminado aquele mesmo símbolo, recordações que perduram na noite tenebrosa da memória dos homens, que lhes contam histórias de terror sobre noites em que ao céu se levantavam enormes fogueiras- noites em que, se clamando o nome de Deus, se lançavam as almas para o inferno- noites de Inquisição.

sexta-feira, 17 de julho de 2009

PORTUGUESES DA ÁSIA




Goa, Damão e Diu- foi por esta sequência que na já muito distante Escola Primária do Arco de Almedina aprendi o que haviam sido as possessões portuguesas na Índia. Embora já na época Goa, Damão e Diu tivessem deixado de estar sob administração portuguesa, a minha sensibilidade de criança captou o orgulho com que o professor Carlos nos ensinou que naqueles remotos cantinhos da India, Portugal foi culturalmenre influente. Hoje também eu me orgulho desse glorioso passado, já que actualmente, no mundo, Portugal é um ilustre desconhecido. A glória de outrora é como um bálsamo, que atenua a mágoa provocada pelo desinteresse e mesmo desconhecimento que a Europa e o mundo em geral tem por nós.Não me interpretem mal. Não tenho saudades do colonialismo, que o considero bárbaro. Em defesa desse ideal muitos jovens portugueses perderam a vida em Angola, Moçambique e Guiné. Eu próprio iniciei a preparação psicológica para essa viagem que a Revolução dos Cravos fez com que se não viesse a realizar.
Tenho pena é de não termos sido capazes de manter a força visceral que nos fez dar mundos ao mundo. Perdemos o gás. Álcacer-Quibir o consumiu em 1578.Mas não foi para falar nestas tristezas que aflorei este tema.
No seguimento da busca pelos monumentos que nós edificámos pelo mundo, e que se mantêm levantados, busca essa patrocinada pela RTP, foi-me dado o prazer de ver na televisão excepcionais reportagens que tiveram lugar no Brasil, em África e na Ásia, onde gentes locais demonstraram o prazer que têm de, nas suas terras, desfrutarem de monumentos portugueses que contam história.
E para minha completa surpresa vi, nas reportagens relativas à Ásia, além de monumentos que me fascinaram, o surpreendente amor que algumas comunidades em Goa, Damão e Diu, e, de forma completamente inesperada, em Malaca, na Malásia, têm por Portugal, ao ponto de se sentirem magoados por Portugal os ter esquecido, por Portugal não os considerar portugueses. Isto é simplesmente fabuloso. Nessas comunidades a língua portuguesa está preservada, com muita dificuldade, mas ainda persiste, ainda está vivo o espirito português naquelas paragens. Vi pessoas que, com carinho, têm em suas casas a bandeira portuguesa e preservam ainda alguns sinais da nossa cultura, a nível gastronómico e lúdico. São os filhos de Afonso de Albuquerque.
São naturais da Índia e da Malásia, mas têm na alma a saudade de Portugal, país que nunca conheceram. São os portugueses da Ásia.
Para eles todo o meu afecto. Se, de alguma forma, estas palavras lhes puderem chegar, aqui lhes digo que este português os viu e os considera portugueses, pois portugueses são todos os que daquela forma amam Portugal.
A vocês, meus conterrâneos no coração, um forte abraço.


sexta-feira, 10 de julho de 2009

APOLO 11- ESSA QUARENTONA

O tema da ida do homem à lua não é novo neste blogue. Mas porque se comemoram os 40 anos sobre o momento em que Neil Armstrong pisou o «mar da tranquilidade», achei por bem retomar o tema. E não só pela comemoração que este ano tem lugar.
Nas minhas incursões pela net deparei-me, já por várias vezes, atónito, com gente a afirmar que o homem na lua foi tudo uma montagem. Para mim não é nova essa afirmação. Ouvi-a, há quatro décadas, da boca de pessoas que não tinham a obrigação de acreditar nas imagens que passaram na televisão, porque a sua formação intelectual não lhes permitia ter consciência do poder da mente humana. Em 1969 os índices de analfabetismo em Portugal eram elevados, e muitos dos que não eram analfabetos, pouco mais sabiam do que escrever o nome, o que quer dizer que informação ouvida e lida eram para si letra morta.
Mas hoje as coisas alteraram-se. O analfabetismo foi praticamente erradicado, mas surgiu o «iliteracismo» que é bem mais reprovável, porque pessoas supostamente cultas saem-se com cada «paposteada» que é de cortar o coração.
Não me peçam para apresentar provas, que as não tenho. Mas decerto a NASA estará disponível a fornecer informação credível sobre a questão. O que posso dizer é que, com treze anos de idade, fiquei colado à televisão, noite dentro, ouvindo os comentários do jornalista da RTP José Mensurado (hoje já velhote). Mas tal foi a maravilha daquela noite, que nunca mais esqueci o nome do jornalista que me foi explicando as imagens que eu ia vendo.
Eu assiti em directo. Terei eu assistido a um filme de ficção, com o José Mensurado a fazer de mim estúpido?
Mas que tecnologia Hollywood tinha já naquela época!! Mas também foi somente para aquele filme, a que deram o nome de Apolo 11, porque a restante produção cinematográfica, em termos tecnológicos e de logistica, ficou muito áquem.
Talvez seja a inveja de alguns que os faça dizer barbaridades destas. Inveja por o tempo em que o homem foi à lua não ser o seu tempo. Porque o passo que a humanidade deu com a invenção da internet foi um passo grande, mas não da dimensão daquele que Neil Armstrong andou ao pisar o solo lunar, porque a net é uma via sem limites, exceptuando um: limita-se ao planeta Terra.
Mas algo se prepara, a médio prazo, para se repetir a proeza. Terei então curiosidade em ler o que os cépticos (mais invejosos do que cépticos) irão escrever.
Parabéns Apolo 11, deste rapazito de há 40 anos, que numa noite quente de Julho de 1969, encarrapitado num grão de areia, neste pedacito de chão a um canto da velha Europa prantado, se emocionou ao ver-te amarar no Mar da Tranquilidade, e de ti ver sair o primeiro homem que pisou um outro planeta que não a Terra, tornando-se este rapazito para sempre cúmplice desse momento ímpar na história da humanidade.

quinta-feira, 9 de julho de 2009

A SERENATA 36 ANOS DEPOIS


Ás ohoo do dia 1 de Maio de 2009, a minha mulher e eu estávamos na Sé Velha aguardando pelo primeiro trinado das guitarras. Nuns degraus insignificantes do magnânimo Largo da Sé Velha aguardávamos havia já quatro horas por aquele momento. Presenciámos o velho Largo tornar-se cada vez mais pequeno, até que, aos primeiros acordes, o Largo da Sé Velha era um arrepiante e compacto mar de gente.
Passaram 36 anos desde a última serenata que ali assisti, então um miúdo de Coimbra. A Queima cresceu. Os tempos são outros, dizem, a tradição já não é o que era, repetem. Não foi isso que senti. Coimbra estava ali toda, sem qualquer beliscadura, mostrando que a Academia continua a não esquecer a sua gloriosa história e tradição.
Aquelas pedras recordam o meu nascimento, porque foi aquele ar que respirei a primeira vez que respirei. Da Sé Nova à Sé Velha vai apenas a distância de uma pequena e muito íngreme rua. O ar é o mesmo. Num último dia de Abril abri os olhos e vi, com orgulho, que era conimbricense. As pedras gastas da calçada deram-me os parabéns.
O Fado Hilário foi cantado, e eu cantei-o com muita emoção. A minha alma agradeceu-me.
E se tudo isto não chegasse para naquele momento me fazer extremamente feliz, na multidão que apertava a velha Sé encontravam-se, briosamente, os nossos prolongamentos nesta vida, vestidos de negro tecido.
Cantada a última nota do último fado, sob o olhar atento da secular cabra, velha, briosa e monumental torre da universidade, que lá do alto abençoou aquela noite onde Coimbra foi cantada com elegância e sentimento , veio a saudação pela qual eu esperara toda a noite. E em sintonia com a voz da negra multidão, gritei com os olhos marejados de lágrimas o meu adorado AFRA ...
Coimbra reconheceu-me.

quarta-feira, 8 de julho de 2009

RECORDANDO A PRAIA DA MEMÓRIA











«EM HONRA DE SUA MAJESTADE IMPERIAL DOM PEDRO DUQUE DE BRAGANÇA PRIMEIRO IMPERADOR DO BRASIL E QUARTO REI DESTE NOME EM PORTUGAL COMANDANTE EM CHEFE DO EXÉRCITO LIBERTADOR AQUI DESEMBARCADO EM OITO DE JULHO DE MIL OITOCENTOS E TRINTA E DOIS PARA RESTITUIR O TRONO A SUA AUGUSTA FILHA A RAINHA REINANTE DONA MARIA SEGUNDA E A LIBERDADE AOS PORTUGUESES SE EREGIO ESTE PADRÃO PARA PERPÉTUA MEMÓRIA»


esta a inscrição existente no obelisco colocado na Praia de Pampelido, no Mindelo- para sempre A Praia da Memória.


Completam-se hoje (8 de Julho de 2009) 177 anos sobre o desembarque do Exército Libertador, vindo da Ilha Terceira, formado por apenas 8 000 soldados, comandado por D. Pedro IV, na Praia de Pampelido, no Mindelo, ás portas do Porto, a que se seguiu o Cerco do Porto pelas tropas absolutistas de D. Miguel, irmão de D. Pedro, compostas por 80 000 homens. Dava-se assim início à guerra civil, que durou cerca de dois anos, em que tiveram lugar múltiplas pequenas batalhas, começando logo pelo Cerco do Porto, que se prolongou por um ano, em que os 8000 bravos de D. Pedro, heroicamente resistiram à ferocidade dos 80 000 de D. Miguel. Tamanha desigualdade de forças levou D. Miguel a ter como certa a vitória. Mas quando os homens lutam pela liberdade, quadriplicam de força, resistência e heroicidade. Um ano depois os 8000 depressa se multiplicaram e enxamearam Portugal de Norte a Sul, numa investida liberal estrategicamente bem concebida, culminando na Batalha de Asseiceira, onde os cartistas puseram um ponto final nas pretensões realistas de D. Miguel.
Bem que o desembarque do Exército Libertador poderia ter, hoje em dia, uma outra projecção histórica que não tem. Poucos portugueses o recordam, o conhecem. Mas porque esse foi um momento altamente revolucionário, e porque eu tive o previlégio de, no meu país, ter vivido intensamente uma revolução, aqui recordo esse dia histórico, que traduziu alegria para milhares de portugueses de então, que viveram amargamente o terror Miguelista.
O 8 de Julho de 1832 reuniu todas as condições para ter sido considerado feriado nacional. Já então se comemorava o 1º de Dezembro havia 192 anos.
Para um povo, recuperar a sua independência é fundamental e motivo de comemoração pelos séculos fora.
Mas para um povo, recuperar a sua liberdade é mais importante do que mudar o regime de governação (na minha óptica).
O Exército Libertador e o 8 de Julho de 1832 está no mesmo patamar histórico e político do Movimento das Forças Armadas e o 25 de Abril de 1974.
Lamento profundamente que tenha caído na absoluta ignorância da memória colectiva do Portugal de hoje.

terça-feira, 7 de julho de 2009

REEDITANDO O PASSADO

Fui apanhado de surpresa! Do meu amigo Tó Zé recebi um convite que não esperaria, de forma alguma, receber. Fazer parte de um grupo de músicos que irão servir de suporte a um grupo coral infantil.

A fotografia editada em cima, já a editei no blog, no ano passado, e representa o Coral Infantil Vera Cruz que o meu amigo Tó Zé, a sua esposa Elsa e eu próprio fundámos, em Dezembro de 1989, cuja actividade se prolongou até Junho de 1995. Foram muitas actuações de extremo regozijo.

A minha surpresa de agora é a de, precisamente, ser convidado por eles para fazer parte de um conjunto de músicos que irão servir de suporte a um grupo coral infantil, um novo grupo coral infantil. KICA é o seu nome- Koral Infantil do Carmo de Aveiro.
O primeiro ensaio foi uma experiência muito interessante. Voltei a acompanhar vozes de crianças, cerca de vinte.
Não existiu qualquer complicação, porque as crianças são extraordinárias, e nós já temos experiência suficiente que nos permite interagir com elas de forma a que se sintam plenamente à vontade, e assimilem facilmente o seu papel, sob a orientação perfeita da maestrina Elsa.
No meio dos doze músicos presentes, lá estão o Pedro Vasconcelos, o Tó Zé, o Lobo e o Fernando Matos, músicos que fizeram parte do suporte musical do já velhinho Coral Infantil.
O primeiro espectáculo vai ter lugar no próximo dia 11.
Vai ser, sem dúvida nenhuma, uma reedição do passado!

domingo, 5 de julho de 2009

O PRECIOSO PRESENTE

Sentado à cabeceira da cama, afagava com ternura o cabelo muito branco daquela doce senhora, que o observava com meiguice. O peso dos anos finalmente a vencera, mas naquele singelo e eterno momento, que ele para sempre ciosamente guardará na sua memória, ela tornou-se vitoriosa. O seu olhar ganhou brilho, a sua expressão um sorriso. Ele ficou feliz porque ela lhe deu a perceber que a presença dele lhe era querida. Ela, meigamente, apertou a mão dele. E ele, julgando que a amparava a ela, foi ele que se sentiu confortado; foi como que um precioso presente. Sentir que aquela senhora, quase quatro décadas mais velha do que ele, após uma vivência longa de poucos prazeres e muitos deveres, não sendo sangue do seu sangue, o considerava daquela forma. Ele beijou-lhe a fronte e ela retribuiu.
Ao levantar o rosto que encostara à cabeleira ainda farta e alva, passou com o olhar pelos pés da cama. Ao fundo, em cima da cómoda, viu uma fotografia. Uma moça que não teria mais de dezoito anos lhe sorria. Um sorriso franco. Fixou a moça, fixou o rosto que deitado o observava. Sim, existiam traços que não haviam desaparecido. Os olhos jovens que da cómoda sorriam para si eram os mesmos olhos, que passada toda uma vida, ainda observavam o mundo, e o observavam a ele. Sentiu-se no meio de duas mulheres: a mais jovem que nunca conheceu e a mais idosa que carinhosamente lhe afagava uma das mãos. Olhou para a senhora. A fotografia ao fundo da cama dava-lhe a conhecer o quanto ela fora bonita.
Para sempre guardará na sua memória o momento em que as duas lhe falaram sobre a vida. Um precioso presente, um precioso momento, que já não é possível repetir.
Até um dia, querida amiga, disse ele há uns dias atrás.

sexta-feira, 3 de julho de 2009

A TOURADA DOS ABRANHOS



recuperando o meu post de 17 de Julho de 2008, a que dei o título «Os Condes de Abranhos do século XXI», eis-me de novo pegando no tema.
Para quem não saiba, há uns anos passou uma excelente série na RTP 1, intitulada «O Conde de Abranhos», baseada na obra com o mesmo nome, do nosso enorme e fecundo Eça de Queiroz, em que, de forma extremamente humorística, o Eça satiriza a classe política dos finais do século XIX, dando grande ênfase à actividade parlamentar.
Como tive oportunidade de referir em Julho do ano passado, a RTP foi muitissimo feliz com a produção dessa série, pois conseguiu na íntegra recriar todo o espirito que o Eça transmitiu para o papel, e que decerto se deleitaria em ver.
Como referi em Julho de 2008, na Assembléia da República continuam a passear-se inúmeros condes de Abranhos, deputados com o mesmo perfil político dos que usavam chapéu de coco e enormes bigodaças bem oleadas (tal porcaria era chique na época), que discutiam de tudo, perdiam-se em enormes demonstrações de retórica, empenhados em darem ao discurso estilo, nada preocupados com a substância.
Como diziam, nas casas de alterne que frequentavam, tendo por residentes damas de altissimo e dispendioso gabarito, já não sabiam bem se eram homens deputados ou homens deputedos.
A inoperância política grassava. Mas não era uma questão que os incomodasse, pois tinham o seu sustento assegurado. O país tinha sempre tempo de ser resolvido. No entanto, em nenhuma parte do livro e em nenhum momento da série surgiu um membro da Assembléia a chamar cornudo a outro.
Nem o Eça se lembrou desta.
E foi na discussão do estado da Nação.
Ao estado a que a Nação chegou!

quinta-feira, 2 de julho de 2009

EU E ESTE MUNDO VIRTUAL

Quando a internet chegou a Portugal, em 1995, encontrou-me já maduro na idade. Não sei como foi que os da minha geração a receberam. Comigo a adesão foi difícil. O meu mundo era o do papel, da carta e do telefone, e continua predominantemente a sê-lo. A assimilação da sua mecânica foi-me difícil. Mas porque tenho em casa dois filhos que a net automaticamente absorveu, como aos jovens em geral, fui sendo lentamente doutrinado por eles. E lentamente fui percebendo a diferença entre um email e um site. Quando essa aprendizagem ficou concluída foi.me dado a conhecer o hi5. Daí aos blogues foi apenas um pequeno passo. Um pequeno passo...a humanidade, com a net, deu um passo da dimensão daquele passo, daquele primeiro passo que Neil Armstrong deu na lua. O avanço tecnológico está na mesma proporção. Depois conheci o mundo dos foruns.
Mas por uma razão que eu próprio desconheço, enfastiei-me, e atirei para o caixote do lixo tudo o que era incursões à internet.
Mas de ti, meu caro amigo, de ti ia-me lembrando de vez em quando, sabendo que tu existias e sentindo tristeza por te ter abandonado. Tu tens magia, virtual é certo, mas magnetizante. E quando te idealizei, fi-lo com tanto carinho e imbui-te de tanto sentimento conimbricense, que me começou a ser difícil suportar o abandono a que te votei.
Agora que me reconciliei contigo estou pronto a, eu e tu, de braço dado, caminharmos por esse mundo, à distância de um clik.
Nem tu deixaste de ser o futrica do Mondego nem eu o penedo que, porventura, possa albergar poetas.
Com Coimbra permanentemente no coração!