sábado, 25 de julho de 2009

AS INSEGURANÇAS DO MESTRE

Não há dúvida de que o verdadeiro artista é aquele que coloca, permanentemente, um ponto de interrogação na qualidade da sua produção artística. E se existirem dúvidas, leia-se:

«...Pegue no «Padre Amaro», e escreva sobre ele, com justiça, sem piedade, com uma severidade férrea- o seu juízo- e remeta-mo. Tenho absoluta necessidade disto: mas nada de improvisos espirituosos, ou de fantasias-uma crítica à Planché- austera, carrancuda e salutar.-Eu que já agora-pertenço todo à arte-vou por um caminho que não sei qual é: é o bom, o sublime, o medíocre? Isolado no meu quarto, produzindo sem cessar, sem crítica externa, sem o critério alheio, abismado na contemplação de mim mesmo, pasmado ás vezes do meu génio, sucumbindo outras sob a certeza da minha imbecilidade-arrisco-me a faire fausse route...»

Newcastle, 7 de Novembro de 1876

carta de Eça de Queiroz a Ramalho Ortigão

in Obras de Eça de Queiroz- Cartas e Outros Escritos

2 comentários:

Gibson Azevedo disse...

Nota-se por este pequeno texto desta sua missiva, enviada a um dileto amigo e companheiro de intelecto, que o grande Eça de Queirós não fugia ao lugar comum dos destacados escritores, ao sentir a necessidade de ouvir uma opinião sincera a respeitos dos seus escritos. Sabia, como muitos outros homens de letras, que elogios subservientes e nanicos, não passam de placebo, que massageiam ao ego de almas menores. Daí clamar, a Ortigão, o óbolo de uma justa e sincera opinião...
Cada vez mais admiro o grande José Maria.

Poeta do Penedo disse...

E eu também, meu caro amigo Gibson. É extraordinário como um dos maiores escritores portugueses de sempre, senão o maior, tem dúvidas sobre o seu talento. Com este livro que acabei de ler, fiquei profundamente fascinado(ainda mais do que já estava) com o mundo interior, o mundo real, do nosso gigantesco Eça de Queiroz.