segunda-feira, 7 de julho de 2008

ARMENTIÉRES, 9 DE ABRIL DE 1918


Em praticamente todas as cidades portuguesas existe um monumento aos combatentes da Grande Guerra. Sintoma de que Portugal não esqueceu os seus filhos, combatentes mortos durante a I Guerra Mundial. Mas hoje em dia, todo esse drama se esbateu no tempo. Já vivemos num outro século, que não aquele onde se deram esses acontecimentos de horror. Muitos de nós já nem sabe bem qual o significado desses monumentos, envoltos numa enorme solidão, que na generalidade representam soldados com um capote vestido, capacete na cabeça, e uma espingarda com uma baioneta acoplada. Aveiro, a cidade onde vivo, apresenta uma dessas estátuas, com uma forte e fúnebre simbologia.
Mas, afinal, que combatentes foram estes? Onde combateram? Onde morreram?
A acção que iria determinar a sua morte, ocorreu no dia 9 de Março de 1916, data em que a Alemanha declarou guerra a Portugal, por o nosso país, sob pressão da Inglaterra, ter tomado posse de 70 navios mercantes alemães, que se encontravam refugiados em portos portugueses. Com esta tomada de posição, Portugal entrava, formalmente, na I Guerra Mundial.
Nesse sentido,
em Julho desse mesmo ano foi formado, em Tancos, o Corpo Expedicionário Português, composto por 30 000 homens, cujo 1º contingente partiu para França em 30 de Janeiro de 1917, sob o comando do General Gomes da Costa. Em 23 de Fevereiro partiu o 2º contingente.
O tempo correu célere. O cheiro acre a sangue impregnava a Europa e a África, onde Portugal marcava também posição, lutando pelas suas províncias ultramarinas. Lentamente, contando-se as horas, os dias, de forma muito sofrida, se chegou a Abril de 1918. Se o soubessem, se o pudessem adivinhar, teriam aqueles homens dito que afinal se chegara a Abril de 1918 rapidamente demais.
No início desse Abril, a Primavera foi encontrar milhares de soldados portugueses, no Norte de França, na Flandres, numa frente de combate, com 55 quilómetros de extensão e apertadas trincheiras, entre as povoações de Gravelle e Armentiéres, incorporados num exército de 84000 homens, entre portugueses e ingleses. Havia mais de um mês que padeciam os efeitos do fogo esporádico do inimigo alemão, do outro lado das trincheiras, a 200 metros de distância, e o sacrifício de arrastarem os seus dias, empapados e enregelados pela lama sempre presente, pois ali eram terrenos alagadiços, efeitos do rio La Lys que os atravessava.
Ás tropas portuguesas tinha sido anunciado que a 9 de Abril iriam ser rendidas por batalhões britânicos. Os nossos soldados exultaram de alegria. A rendição prolongar-se-ia por dois dias. O Corpo Português encontrava-se colocado, há longo tempo, nas trincheiras lamacentas do sector de La Bassée. Subitamente, ás 04:15 da madrugada do dia 09 de Abril de 1918, o exército alemão irrompe num violentíssimo fogo de artilharia sobre as posições anglo-lusas. Os nossos soldados, a quem fora prometida a rendição para esse mesmo dia, não querem acreditar no que está a acontecer. Qual a razão daquele ataque? Sabe-lo-iam três horas e trinta e cinco minutos depois. Pelas 07:50, as tropas alemãs, a coberto do fogo cerrado da sua artilharia, saltam os parapeitos das suas trincheiras, e avançam sobre o sector de La Bassée em três vagas de assalto. Perante a persistência da artilharia inimiga e agora do ataque da infantaria, as linhas portuguesas começam a ceder terreno. Mais para trás, as tropas tentam fazer frente ao avanço do inimigo alemão, mas com a frente de batalha a ceder terreno ao inimigo, a situação torna-se insustentável. Resiste-se o que se pode e como se pode. E de qualquer forma se morre. As linhas de tropas britânicas, que envolviam o sector de La Bassée também cederam; e por aí se infiltraram milhares de soldados alemães, que pela retaguarda atacaram o exército português, que assim se viu completamente rodeado pelo exército alemão. Ordens bem expressas foram emitidas para a frente de combate, para que os nossos soldados resistissem, pois rapidamente iriam receber o apoio das tropas inglesas. Apoio esse que nunca chegou. Obedecendo corajosamente ás ordens recebidas, muitos dos nossos soldados pagaram com a vida essa tenaz, mas inútil resistência, imobilizados nos parapeitos das suas trincheiras, tentando ripostar o mais eficazmente que podiam. Os soldados portugueses tudo fizeram para tentar suster o avanço alemão. Em três outros sectores- La Couture, Neuve Chapelle e Fauquissart, tentaram recuperar posições, mas onde deveriam estar soldados britânicos, encontraram entrincheirados soldados alemães.
A 2ª Divisão portuguesa, constituída por 7500 homens, no sector de La Bassée, numa frente de combate de doze quilómetros, foi atacada por oito divisões alemãs, tendo sido completamente aniquilada, entre mortos, feridos e prisioneiros.
Não muitos foram os portugueses que saíram incólumes desta batalha. Mas dos poucos, tive a feliz oportunidade de conhecer ainda um, em 1981, um senhor com 83 anos de idade, major na reforma, que no dia 09 de Abril de 1918, em Armentiéres, na Batalha de La Lys, era um jovem sargento com 20 anos de idade. Era de seu nome Joaquim Sérgio. Naquela tarde do verão de 1981, numa inflamada descrição no café Marcampo, em Alfeizerão, o senhor Major Joaquim Sérgio, com os olhos brilhando de emoção, como que rejuvenescido durante o tempo que durou a nossa conversa, que em 9 de Abril de 1918 era o jovem sargento Joaquim Sérgio, da 2ª Divisão do exército português, no sector de La Bassée, descreveu-me toda a batalha, tal como a fonte em que me baseei para a descrever agora. E deu-me a conhecer outros pormenores, momentos guardados apenas na memória de quem lá esteve, pois a história, por mais profunda e exacta que seja, não é capaz de os preservar, pois esses momentos são humanos, e a história é uma ciência.

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