terça-feira, 17 de agosto de 2010

UMA METAMORFOSE

...Passaram-se três meses. O ano escolar chegara ao fim, os exames também. Naquele período de tempo, a vida de Narciso Conde não fora das melhores. Vivendo sob uma apertada vigilância do pai, o rapaz foi passando os dias distribuindo o tempo entre a casa e o liceu. Não que tivesse tido qualquer tipo de rebate de consciência! Nada disso. Tinha apenas medo de que a velha tivesse ido bater com a língua nos dentes à policia. Por essa razão sentia-se desconfortável na rua. Quando via um policia, « macaco cinzento» como ele chamava aos homens da Policia de Segurança Pública, evitava cruzar-se com ele. Tinha medo que o guarda ao olhar para ele descobrisse o assalto que ele fizera à casa da tia. Era um disparate, ele sabia disso. Aqueles débeis mentais nem o que estava à vista viam, quanto mais o que só existia na mente das pessoas. Era estúpida aquela sensação, mas era mais forte do que ele.
Evitando despertar as atenções sobre si, optou por na escola tomar uma atitude passiva e despercebida. Ele e o seu grupo. Da noite para o dia Narciso Conde e os seus três amigos tornaram-se simpáticos, cordiais, buscando a amizade e companhia dos outros colegas. Narciso apenas se limitava a seguir as orientações do pai. Mas aquela forma de proceder não se coadunava à sua maneira de ser. Fazia-o apenas como disfarce, pois no seu verdadeiro intimo reinava a intenção de submeter os outros à sua vontade. E se para isso tivesse de dar meia dúzia de socos, tanto melhor. Era pois com imenso sacrifício que vestiu a pele de bonzinho e simpático.
Havia ainda um outro factor que o trazia acabrunhado: o fantasma da campanha dos tomates em França. Esse seria o seu destino para as férias daquele verão. Sabia que o pai já havia tratado de tudo. E agora que os exames tinham chegado ao fim, a hora da partida estava para breve. Lá iam ficar as matas do Algarve desprovidas da sua presença. Lá ficariam também de coração desfeito todas as raparigas que por aquele Algarve ansiavam pelos seus quentes beijos de verão. Enfim, o dinheiro que não gastaria em Portugal iria ganhá-lo em França, no meio dos horríveis tomatais. Era uma tragédia que se abatera sobre a sua vida. Mas essa tragédia teve um construtor e esse era o seu colega Serôdio. Já tinha planeado uma acção de graças em agradecimento às belíssimas férias, que por vontade do Serôdio lhe calharam em sorte. Esse presente estava para muito breve.
Todos os colegas de Narciso Conde estavam estupefactos com a mudança. O antigo rufião mostrava-se agora afável, comunicativo. Com a ano lectivo a terminar, muitas raparigas suspiravam com pena de o Narciso Conde em tempos se ter mostrado um rapaz insuportável. Ele até era um bonitão. Agora que a simpatia lhe banhava o rosto, estava mesmo apetecível.
Muito desconfiado andava Serôdio. Sabia que D. Silvina fora falar com o irmão, o pai de Narciso Conde. Tomara conhecimento de que na altura não fora muito bem recebida. Sabia ainda que posteriormente D. Silvina recebera a pedido de desculpas por parte do irmão. O Narciso Conde confessara o seu delito ao pai. Tinha plena consciência de que o Narciso reconhecia nele toda a culpa pelo insucesso do assalto, e das más relações que daí advieram entre ele e o pai, o engenheiro Carlos Conde. E no entanto o Narciso não tivera uma palavra azeda para com ele, nem uma atitude agressiva, como ele esperara que viesse a acontecer. Isso era muito estranho.
Pensando em tudo isto, numa quente noite de princípios de Julho do ano de 1977, Serôdio encaminhava-se para sua casa, depois de ter estado com alguns amigos numa boa cavaqueira, sentados no muro do canal central da ria, no Cais do Cojo, absorvendo a relativa frescura que emanava da água, naquela noite tão quente. Já que ali estavam, tinham conversado sobre a triste sorte daquela ria, que em tempos fora o fluxo de vida de Aveiro e agora se tornara no seu esgoto.
A conversa fora agradável mas eram horas de procurar o aconchego da cama. Serôdio morava numa casa antiga, situada na Viela da Fonte dos Amores...(em continuação, pág. 48, ex. XIV)

in FILHOS POBRES DA REVOLTA

MARÇO/2003

6 comentários:

Mari Amorim disse...

Poeta,
como é bom vir aqui,e viajar nessa leitura,e também saber,que gostaria de conhecer as calçadas percorridas por teu avó,eu nasci em uma linda cidade chamada Salvador,cidade de grandes poetas,musicos,e escritores
como Jorge Amado.Mas,estou na cidade de São Paulo,onde a cultura é ampla,mas,cinza pela correria de seus trabalhadores,que enchem os bolsos dos corruptos brasileiros.Seja bem vindo!
Um abraço carinhoso.Saúde,paz,e alegria
Boas energias,
Mari

Poeta do Penedo disse...

Cara Mari
Jorge Amado, essa pérola da literatura brasileira. A ele devo momentos deliciosos, assistindo a algumas telenovelas baseadas em livros seus. Recordo Gabriela Cravo e Canela e Tieta do Agreste. Na realidade, já o disse, e não me canso de o repetir, o Brasil tem actores de primeiríssima água, que me proporcionaram momentos fantásticos de excelente representação. Pena é que televisão portuguesa tenha desistido de importar as vossas telenovelas. Podem-me chamar de retrógrado por gostar de telenovela, mas, as de qualidade, gosto mesmo! E não me sinto inferiorizado por isso.
Um abraço bem lusitano.

Gibson Azevedo disse...

Sempre mestre, ao demonstrar a vidinha dos seus amados portugueses. Continue assim, dileto amigo-poeta, pois no meu balancete literário tu estás com um saldo bastante positivo. Eita, cabra bom!
Grande abraço.

NUMEROLOGIA E PROSPERIDADE disse...

Espiando o seu blog e fazxendo um comentário a parte postagem digo que a história de D. Pedro com Inês de Castro de Castro é lindíssima.
Gostei imensamente do seu espaço.
FOI DESSE JEITO QUE EU OUVI DIZER... e MEU CADERNO DE POESIAS, desejam um bom final de semana para você.
Saudações Educacionais !

Poeta do Penedo disse...

Meu caro amigo Gibson
as minhas humildes horas de escrita agradecem-lhe a simpatia.
Um forte abraço, meu amigo.

Poeta do Penedo disse...

Viva Silvana Nunes
Seja muito bem vinda a este blogue.
Na verdade, para um conimbricense como eu, o romance e tragédia de D. Pedro e D. Inês de Castro, tinha de ser lembrado aqui, pois é uma das grandes referências históricas da minha cidade.
Obrigado pela visita. Volte sempre.
Briosas saudações.