terça-feira, 23 de novembro de 2010

UM ERRO NA SELECÇÃO NATURAL DA MAET



Finalmente Amon-Rá saiu da sua profunda reflexão e dirigiu-se para uma zona de MassiftonRá, onde os deuses se encontravam concentrados. Amon-Rá dirigiu-se ao ancião deus Aton.
- Aton, na tua infinita experiência, algum momento houve em que te tenhas sentido menos capaz de lidar com um problema que os homens te tenham colocado?
Todos os deuses fixaram Amon-Rá com perplexidade. Mas que raio de pergunta era aquela?
- Não Amon- respondeu o deus Aton imediatamente - os homens nunca foram, nem nunca hão-de ser capazes de criar embaraços a um deus. Os homens são um enorme amontoado de carne e ossos, iluminados apenas por uma centelha mental. Ao contrário, o deus, todo ele é mente, propagação constante e infinita de energia; no entanto, quando o Egipto sofreu a invasão dos Hicsos, tenho de reconhecer que tive algumas dores de cabeça, que, bem vistas as coisas, foram resultado apenas de um maior fluxo de trabalho, no sentido em que tive de despender de muita energia para ajudar o faraó a manter intactas as raízes da estrutura mental do Egipto, perante as influências culturais do povo invasor. Mas só isso. Porquê essa pergunta?
- E se esse homem que te colocasse um problema fosse o faraó ? – Insistiu Amon-Rá em questionar Aton.
- Não te percebo Amon. Os faraós não colocam problemas aos deuses. Os faraós anseiam pelas bênçãos dos deuses!
- Então estamos na presença de um faraó que nunca o deveria ter sido- exclamou Amon-Rá.
- Referes-te a Amenhotep, o quarto?- perguntou o deus Aton.
- Exactamente. Amenhotep, o quarto, teve a ousadia de subtrair uma das minhas sacerdotisas do templo de Tebas, e levá-la para o seu palácio. Quer fazer dela a sua rainha.
- Perdão- disse o deus Horus, com a incredulidade estampada no seu rosto de falcão.
- É o que tu ouviste, Horus. O faraó, a quem tu deves proteger e aconselhar, está a cometer esse acto. Foi-me transmitido pelo meu Sumo-Sacerdote Masahemba; e o sifto encarregue de recolher as emanações, apenas encontrou sentimentos de raiva. Teve de sair do templo rapidamente. Eu sei que tenho de tomar uma atitude, mas qual? O faraó não é um humano qualquer! Ele é o rosto do Egipto.
- Agora compreendo a tua pergunta- disse Aton- quando eu projectei o Egipto, dei aos faraós o poder psíquico necessário para estarem alguns degraus acima dos restantes homens, com a finalidade de os homens que formam o povo egípcio reconhecerem no faraó um ser superior, iluminado, e por conseguinte de se sentirem subjugados perante o seu superior intelecto, e como tal, o aceitarem como o seu guia. Mas não disse aos faraós que eles tinham o direito de se equipararem aos deuses; até porque não se equiparam! Os faraós são mortais!
- Mas consideram-se os deuses na terra- exclamou Amon.
- E foi assim que eu quis que eles fossem sentidos. Mas o faraó ser deus na terra é uma coisa; o faraó ser deus no seio dos deuses… aí, alto! O faraó em funções tem de ser colocado no seu lugar ou então destituído do trono.
- Destitui-lo do trono seria uma atitude demasiado prepotente da minha parte- disse Amon- porque, o faraó, não está a colocar em risco a integridade do Egipto ao roubar uma sacerdotisa ao templo. Ele apenas está a pôr em questão a sua submissão a mim. Amon-Rá é um deus amado, por isso quero continuar a sê-lo.
- Mas é um mau indicativo o facto do faraó ter a ousadia de te provocar de uma forma tão directa. Se a sua índole lhe permite fazer isso com o deus supremo, o que não poderá ele fazer com o seu povo?
- Essa observação é bastante pertinente- exclamou Amon-Rá- mas tudo ao seu tempo. De momento apenas lhe tenho de fazer sentir o quanto estou aborrecido. Ele é jovem, pode ser que reconsidere.
- E tu aceitarias de novo a sacerdotisa, depois de ter sido tocada por um homem?- perguntou a deusa Ísis.
- Caso o queira, pode, pois o homem que lhe tocou foi o faraó, que tem a nossa chancela divina- respondeu Aton.
- Bem, sendo assim, vou actuar com diplomacia. Horus, tu que estás encarregado de apoiares os faraós nas suas missões de governação, ficas incumbido de contactares o faraó Amenhotep, o quarto, e de perceberes as razões que o levaram a cometer tal loucura, bem como de o persuadires a devolver a sacerdotisa Nefertiti. E por agora chega. Hoje a minha alimentação vai ser de qualidade inferior, já que apenas me vou alimentar de emanações de simples oráculos do povo, pois o tabernáculo do templo não me foi benéfico, o que à partida me traz um certo cansaço.
E Amon-Rá retirou-se. Os restantes deuses ainda conversaram um pouco mais sobre o assunto, tendo chegado a um consenso: poderia ali estar a germinar um sério problema!
Aton, o deus ancião, estava perplexo. Fora ele o criador da força mental que estava na base da existência do Egipto. Como tinha sido possível que a selecção natural da Maet tivesse permitido que aquele indivíduo chegasse a faraó? Pela primeira vez, o seu estruturado projecto da criação demonstrava uma falha. Mas, ele já cumprira a sua missão. Ao ter sido substituído por Amon-Rá, Aton sentia que o lugar do deus supremo continuava a ser muitíssimo bem ocupado. Amon-Rá tinha capacidade para fazer frente a este desafio, com que, ele próprio, Aton, nunca se vira confrontado… felizmente! (em continuação, pág. 33, ex XI)

in A Causa de MassiftonRá

Novembro/2005

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