Gosto muito
da cidade das Caldas da Rainha, muito embora nos últimos dias tenha ouvido
falar muito mal dela. E gosto desta cidade porque durante um período da minha
vida, que decorreu entre 1974 e 1977, nela passei o meu quotidiano, que me
deixou um legado de recordações muito saboroso. Os mesmos a quem ouvi
considerações menos simpáticas acerca da cidade, me disseram que estas minhas
recordações não passam de romantismos, pois que a cidade, entretanto, morreu,
muito pela acção do seu principal autarca, que há quase trinta anos está á
frente dos destinos da cidade. Isso é uma questão que ultrapassa o meu conhecimento,
pois que não vivendo lá, não me encontro á altura de analisar o trabalho da
pessoa. Mas que continuo a achar as Caldas da Rainha uma cidade deliciosa,
disso não tenho qualquer dúvida.
Isto para dizer que este fim de semana
jantei em casa de um casal simpático, a convite da minha irmã e cunhado, amigos
desse casal. No entanto houve um senão. Ele é de Lisboa (não é este o senão), e
por o ser, em conversa que entretanto veio á baila, em jeito de brincadeira, lá
foi dizendo que Portugal é Lisboa, que Caldas da Rainha nada tem de português. Nesse
momento pedi a Deus que ele não se pronunciasse acerca de Coimbra, pois que eu,
muito embora estivesse em sua casa, não sei se me calaria. Mas a coisa restringiu-se
apenas ás Caldas.
Era a brincar, mas aquele tom de brincadeira, teve um
fundamento mesmo muito sério.
Já há muitos anos, um outro amigo meu, natural da Benedita-
Alcobaça, a trabalhar em Lisboa, dizia quando vinha á terra, que «entrava no
mato», como crítica ao sentimento generalizado que Lisboa tinha, então, sobre a
«província».
Tão fora da realidade estão, como se isso de província ainda
seja uma coisa presente, como se, em contraste ao carros de Lisboa (por
exemplo), os «provincianos» ainda se desloquem de burro e carroça, e usem
barrete na cabeça.
Este
sentimento de proclamação de que a portugalidade apenas se manifesta em Lisboa,
é realmente ofensiva para todo o bom português, e completamente patética, pois
que muitos dos momentos históricos e decisivos para o nosso destino como nação,
tiveram lugar fora de Lisboa: não é em Lisboa que está a universidade mais
antiga de Portugal, e uma das mais antigas da Europa; não foi Lisboa a primeira
capital do país; Não foi em Lisboa que Portugal nasceu; não foi em Lisboa que
se deu a importantíssima Batalha de Aljubarrota; não foi em Lisboa que tiveram
lugar quaisquer das acções que fizeram por expulsar os franceses de Portugal;
não foi em Lisboa que decorreu o grande cerco, que tão profundamente marcou a
guerra civil entre liberais e absolutistas, nem foi em Lisboa que aconteceu a
batalha decisiva que pôs termo a esta guerra sangrenta. Mas como bom português
que sou, sei muito bem que foi de Lisboa que partiram as nossas naus que, em
nome de Portugal, deram mundo ao mundo, e que foi em Lisboa que aconteceu o 1º
de Dezembro de 1640, que restabeleceu a nossa independência.
Coisas que seriam perfeitamente desnecessárias de serem
ditas, caso a falta de esclarecimento cívico e patriótico não fosse notória.
O tal senhor, meu anfitrião em Lisboa, hoje foi para as
Caldas da Rainha. Tive muita vontade de lhe desejar uma boa viagem ao
estrangeiro.
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