quarta-feira, 13 de abril de 2016

UM ACTO DE SANGUE EM TERRAS DE SUA EXCELÊNCIA

...Desmontámos. Fui examinar os corpos. O corpo do homem fora varado, no abdómen, por comprida lâmina, ao passo que a mulher apresentava um ferimento profundo na garganta.
- Não há dúvidas. Foram mortos. Vocês conhecem-nos?
- Ela era filha do tanoeiro, o ti Chico Aduelas. Ele era o Lúcio. Os dois andavam apalavrados.
- Andavam? – perguntei.
- O ti Chico Aduelas não se fica – dizia um dos homens presentes – até vai comer o fígado ao matador que fez isto.
- O tanoeiro é homem bravo, lá isso é verdade – dizia o meu outro companheiro, o Tomás.
         Eu, ali nada mais tinha a fazer. Regressei ao palacete do Conde de Cértima, onde o informei do que vira.
- Não há dúvidas, excelência. Ambos foram assassinados, e com gosto. O homem foi trespassado, possivelmente por uma espada. À mulher foi-lhe cortada a garganta.
- E sabe quem são os falecidos? – perguntou o conde.
- A mulher era filha de um tanoeiro e o homem era um tal Lúcio. Parece que estavam para se casar.
- Pois estavam, doutor. O Francisco Carvalho pedira-me para eu ser padrinho do casamento; já lhe fora padrinho da rapariga. Ela vinha várias vezes tagarelar com a nossa criadagem.
- Está a falar da falecida, excelência? – perguntei eu um pouco confuso.
- Sim.
- Como ao pai dela lhe deram outro nome, eu fiquei agora um pouco baralhado.
- O povo chama-o de  Chico Aduelas. A rapariga chamava-se Maria Adélia. Esperemos que a morte da rapariga não prejudique as suas faculdades. É um bom tanoeiro. Preciso dos seus serviços – disse o conde friamente.
- Segundo disseram, não é de meiguices.
- Pois não, não é. Ai do matador se lhe cair nas mãos, caso seja apanhado. E tudo farei para que o seja. Além de ser um acto de sangue, é um desrespeito para com a minha pessoa ter sido cometido nas minhas terras. O malandro terá também de se haver comigo. O regedor tem de saber desta matança. Já mandei que um carro de bois fosse buscar os mortos e que sejam levados para a igreja.

         Neste instante surgiu Maria Clara. Estava alva...(em continuação, pág. 44, ex. XXI)
in Alma de Liberal
Junho/2009

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