quarta-feira, 23 de outubro de 2019

PERTENCER A «ESSA GENTE»


...Não mais entraria em conflito com aqueles homens, até porque cada vez se viam menos. Durante muitos anos eles haviam sido considerados os maus da sociedade. Os novos agentes recebiam essa atroz herança assim que se alistavam nos quadros da PSP. Então significava que a revolução de Abril não eliminara todos os maus, pois julgando pela postura do povo relativamente aos policias pós 25 de Abril, os maus de outrora continuavam a actuar nas ruas do nosso país. Eu e o Serôdio pertencíamos a esse grupo repelente, a «essa gente» específica, expressão muito infeliz que por algumas vezes ouvi ser proferida por dignos cidadãos, quando se referiam aos agentes policias. Mas, se por uma improvável hipótese nós aceitássemos esse papel, não haveria ao menos a possibilidade de se colocar a pergunta: e do outro lado? Na parte externa da policia, existiam só santos? A esta pergunta, anos depois veio a resposta. Sumptuosas figuras, banhadas pela ilustre luz da cultura e sólida formação moral, em 1986 afiavam os caninos venenosos, preparando-se para a grande batalha que estava prestes a começar. O seu alvo? Nós, os maus da sociedade; nós, infelizes adolescentes do 25 de Abril de 1974, que naquele sopro de liberdade muito longe estávamos de imaginar que, para nós, aquele inebriante momento de um voo sem fronteiras se tornaria num prolongamento de culpas alheias. Sim, nós, novos policias de 1983...(em continuação), ex. XLI
in Filhos Pobres da Revolta

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