quarta-feira, 8 de setembro de 2010

DURA PRAXIS SED PRAXIS



Coimbra, sete da tarde. Uma trupe, constituída por seis doutores, avança em direcção a um caloiro desprevenido. Sete da tarde! Há uma hora que deveria estar em casa. Amanhã irá aparecer no liceu (se for aluno a partir do 5º ano), ou na universidade, de cabelo todo rapado, pois não terá outra hipótese senão recorrer a um barbeiro, depois do corte ao cabelo a que a trupe o irá sujeitar, pois foi apanhado na rua depois das seis...a não ser que se refugie debaixo de um telhado e surja o seu padrinho de faculdade para o proteger.
Este o cenário a que qualquer caloiro estava sujeito, em Coimbra, até 1974. As trupes, grupos de estudantes finalistas formados por acção da tradicional e velhissima praxe coimbrã(não sei se ainda existem), vigiavam assim a cidade, no sentido de obrigarem os estudantes ao recolhimento, no intuito de promover boas horas de estudo.
Isto para dizer que, por estes dias, na minha cidade, me veio parar ás mãos um manifesto, um manifesto anti-praxe. Um manifesto escrito por estudantes universitários, da universidade de Coimbra. Fiquei banzado!
Queixam-se eles de que a praxe retira toda e qualquer dignidade ao caloiro. A praxe Coimbrã, mãe de todas as praxes existentes hoje em dia nas universidades portuguesas,a meu ver, não pretende humilhar ninguém, apenas fazer sentir ao caloiro que um curso superior é algo de muito importante na vida de cada um, demonstrando-lhe, de forma gozona, quão despido de importância ele é antes de iniciar o seu curso, e a importância que virá a ter depois de ter o curso concluído. Evidentemente que ninguém pode levar a sério os tribunais de praxe, nem os nomes «carinhosos» com que se é presenteado. Há que ter o mínimo de senso de humor, e só alguém, que toda a vida viveu dentro de uma redoma de vidro é que se pode sentir ofendido com a sua «minimização» como pessoa.
A Queima das Fitas é um símbolo da academia conimbricense, um emblema da cidade, e é impossível haver a «queima» sem existir a praxe. Mas decerto que quem subscreveu o manifesto passa bem sem a queima das fitas, sem capa e batina e sem o fado de Coimbra.
É que quem escreveu o manifesto, de uma coisa eu tenho a certeza: não é de Coimbra, e depois do curso tirado, não assimilou a mais ínfima centelha do espírito coimbrão.
É que, Coimbra, é para deixar saudades para toda a vida. Quem essas saudades não sentir, não foi merecedor de ter pisado a histórica, ancestral e gasta calçada da Alta.

6 comentários:

Teresa Fidalgo disse...

Poeta do Penedo,

Talvez não possa entender na alma o que diz, porque não cursei em Coimbra.

De Coimbra guardo apenas memórias que não são minhas: lá estudou o meu pai e o meu tio, que tantas histórias nos contavam (poucas referentes a praxes e queimas, é certo) - cada um ao seu jeito e cada um no seu tempo (20 anos de diferença), mas todas interessantíssimas. Compreendo, por isso, as amizades das repúblicas, que duram até à morte (…ou depois dela…), independentemente dos caminhos que cada um, após isso, calcorreia. Compreendo os encontros sentidos e frequentes de quem, naquela época viveu o mesmo. Compreendo a sua intimidade para sempre…

Quanto a mim, que estudei no Porto, nunca vi graça nenhuma nas praxes - nunca tive um traje, não fui praxada nem praxei... nem nunca achei grande piada a movimentos estudantis... (eram outros que nada me diziam...)
No entanto, adorava o ambiente da queima e muito me divertia nessas alturas.

Talvez outra época… ou outro sítio…


Saudações Briosas

Gibson Azevedo disse...

Deixo aqui minhas reverências aos que fazem a augusta Universidade de Coimbra. E também a todos que, por séculos a fio, fizerem a sua história. Quanto ao "trote", também muito presente nas Universidades Brasileiras, custa-me concordar com a sua execução. Não sei se, em portugal, chegam-se a extremos. Aqui no Brasil, já houve casos de estudantes mortos nessas "inocentes" farrinhas. Não vejo com bons olhos tais pantomimas. Espero que no velho Continente tenha-se algum freio nessas aberrações. No mais, caro Poeta, mantenho as minhas atenções em cousas saudaveis como à nossa amizade.
Do brasil, mando-te um grande abraço.

Mari Amorim disse...

Ah,tenho muita vontade de conhecer Coimbra,sei da importância histórica dessa Universidade.Estudei em uma Universidade de renome aqui em São Paulo,a mais disputada do país,a USP,
Universidade de São Paulo,hoje o que aqui chamamos de trote,deixou de ser uma brincadeira,ainda alcancei um tempo de brincadeiras saudáveis,morei em república,foi muito bom,tenho lindas recordações..poeta,como sempre,venho leio,e saio sabendo um pouco mais dessa terra tão querida,
e que mais gosto alem da leitura,são alguns termos que não entendo direito,e sabiamente,obtemos a explicação no parágrafo adiante, fantástico.
Muito grata,pela amizade,
Boas energias,
Mari

Poeta do Penedo disse...

Minha cara amiga Teresa Fidalgo
A Coimbra universitária, sem praxe, não teria graça nenhuma. Sou o primeiro a denúnciar os excessos que lá se cotem, principalmente o consumo excessivo de álcool. Passava-se bem sem isso. Tenho conhecimento de que a Associação Académica (porque tenho lá um filho a estudar neste momento)se está a tornar numa máquina de fazer dinheiro. Mas, contra isso nada a fazer, é o reflexo dos tempos desgraçados em que vivemos, em que o consumo está acima de todas as coisas. Mas a tradição está lá toda. E a Alta ainda mantém toda a sua opulência, ainda exerce fascínio sobre a academia.
Neste contexto, mais do que nunca,

BRIOSAS SAUDAÇÕES

Poeta do Penedo disse...

Meu caro Gibson
«augusta universidade de Coimbra», arrepiou-me!
Não, que eu tenha conhecimento, em Coimbra os caloiros não são maltratados fisicamente. Nunca o foram. A Praxe é dura, mas é a Praxe, mas não partindo para actos bárbaros. É que Coimbra prima pelo classicismo. A sua idade de séculos assim o exige.
Com amizade e votos de um bom fim de semana.

Poeta do Penedo disse...

Cara Mari
Não fazia ideia de que, aí, no Brasil, também existem repúblicas. Em Coimbra elas são pontos de referência, muito embora o meu filho me diga que o ambiente não é, actualmente, dos mais salutares.
Para quem gosta de história, Coimbra é uma cidade monumental. Cito-lhe alguns monumentos fabulosos: A Igreja de Santa Cruz, construída pelo fundador da nacionalidade, a Sé Velha, contando também toda a história lusa, o Arco de Almedina- a entrada da cidade na Idade Média, ainda da época mourisca, a própria universidade de Coimbra com a sua torre imponente, que observa toda a cidade, só para citar alguns. Vale a pena visitar a cidade que albergou o amor de Pedro e Inês.
Um bom fim de semana, minha amiga.