sexta-feira, 8 de agosto de 2014

PELO POVO CHORAM OS CARVALHOS

...Era já noite quando o mouro abandonou o solar. Mais uma vez, entre o fivelas e o mouro ficara selada uma sentença de morte. Entre os dois ficou ainda a convicção de que o pobre povo é destituído de ideias. Erro deles! O povo tem sempre a bolsa vazia, o que não obriga a ter vazia a mente. O povo sofre, o povo chora, mas o povo pensa. E quando o povo, esporadicamente, ultrapassa a barreira do pensamento, quando transforma ideias em actos, surgem as revoluções. Dizia o padre José Soares que " numa boa ou má política está a sorte de um povo". E na vontade do povo está a sorte dos políticos.
Em contraste com as mentes perversas daqueles dois homens, que dominavam toda a herdade Vila de Ló, a natureza corria meiga. Naquele principio de Novembro de 1922, o Outono deleitava as pessoas com a maciez do ar. Mesmo na dura labuta da lavoura os homens deixavam-se envolver pelas carícias outonais, pelos sorrisos que a natureza lhes enviava. Viver a mãe natureza, respirar a mãe natureza, tornava de uma certa forma  menos penosa a tarefa de à mãe natureza resgatar o pão.

A mesma mãe natureza que por abandono do homem fizera nascer junto aos seis carvalhos, existentes bem pertinho do Casal das Rãs, um espesso silvado, pintado aqui e ali pelo despontar medroso de uma esquiva rosa ou tímido cravo, memórias antigas do labor de um dedicado jardineiro. E se se estiver bem atento, talvez se adivinhe que os seis carvalhos choram quando o vento outonal desliza pelos ramos nus. Choram os carvalhos a memória do jardineiro. Choram os carvalhos a memória de Vila de Ló...( em continuação, pág. 115, ex. XLII)

in Quando Um Anjo Peca
Março/1998

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