...Depois de
ter fumado mais um cigarro, escondido no escuro, fazendo tempo para que a
rapariga entrasse bem no sono, verificou se levava consigo os apetrechos de que
iria precisar. Decidiu-se então por avançar. Calçava sapatilhas para poder ter
maior liberdade de movimentos. Por uma última vez olhou atentamente em seu
redor. Não havia vivalma. Tudo estava em silêncio. Agachou-se, e durante quinze
minutos trabalhou freneticamente, em absoluto silêncio.
Conseguira ultrapassar a barreira que a
fechadura representava. Era apenas mais uma. Com a chave improvisada puxou
lentamente o engate da fechadura, deu um leve empurrão à porta, e eis que a
ténue luz do candeeiro distante penetrava a escuridão do corredor. Já no interior
da casa encostou a porta da rua. Num dos bolsos do casaco preto que vestia,
procurou o frasco de clorofórmio, e indagou se o lenço que preparara, também lá
estava. Tudo confirmado tirou do outro bolso uma lanterna e muito lentamente
abriu a porta do quarto, onde julgava estar a rapariga. Acertara em cheio!
Ouvia uma respiração suave e compassada. Ela dormia profundamente. Não iria ser
preciso sequer usar o clorofórmio. Acendeu a pequena lanterna, com o facho de
luz a iluminar o chão, e começou a andar muito lentamente. Contornava a cama
onde a rapariga dormia. A circunferência de luz que se desenhava no chão,
começou lentamente a subir e passou para o guarda-vestidos. Subitamente a luz
foi reflectida no espelho do guarda-fatos. O homem, que se tinha esquecido
desse pormenor, teve um movimento brusco com o corpo, surpreendido com a
inesperada reflexão da luz, e deixou cair a lanterna. Tudo isso contribuiu para
que a rapariga acordasse. De imediato Catarina pressentiu que alguém, além
dela, estava no quarto. Em pânico, de um salto se sentou na cama e gritou:
-
Quem está aí?
O homem, desesperado, deu-lhe uma
violenta bofetada. Seguidamente atirou-se para cima dela e procurou a almofada.
Catarina debatia-se o mais que podia e gritava. O homem, encontrando a almofada,
arremessou-a violentamente sobre o rosto de Catarina e pressionou, pressionou
imenso. Abafara o som dos gritos. Pouco tempo depois, aquele jovem e terno
corpo não oferecia mais resistência. O homem, extenuado pela aspereza da sua
atitude, pegou na lanterna que ainda se mantinha acesa no chão, e de uma forma
atarantada apontava a luz para todas as direcções. Finalmente detectou o
estupor do livro, poisado em cima da mesinha de cabeceira. Avidamente pegou
nele e fugiu daquele maldito quarto. Aquele serviço tão inocente, afinal
acabara por correr muito mal. Nunca matara ninguém. Era um grande ladrão, mas
assassino não gostava de ser, e agora já o era. Raios partissem o maldito
livro! Mas aquela inesperada ocorrência haveria de encarecer o trabalho. O maluco
do arquitecto ia ver como. E logo havia de manchar as mãos numa rapariga tão
bonita!
O homem saiu de casa a correr. A porta
ficou escancarada. Entrou aflitivamente no carro, deu à ignição e rapidamente desapareceu.
O número 61 mantinha-se em silêncio,
enquanto nele, um coração em Angola, supunha lá guardar o seu tesouro...(em continuação, pág. 90, ex. XXVIII)
in Visitados
Novembro/1999
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