sexta-feira, 1 de maio de 2015

TORRES NOVAS, UM PERMANENTE SENTIMENTO PROVISÓRIO

...Já se haviam passado três anos e meio, desde que ingressara na P.S.P. Tivera receio de que, com a dificuldade de memorizar o que lia, não conseguisse ingressar na PSP, tal como lhe acontecera no C.O.M. em Mafra. Mas graças a Deus tudo correra bem. A policia não fora tão exigente como a tropa e ele melhorara imenso no seu problema intelectual.
         Chegara a Torres Novas no dia 24 de Janeiro de 1983. Naquela vila ribatejana estava instalada a E.F.G. (Escola de Formação de Guardas). A escola era um velho edifício restaurado, onde outrora estivera aquartelado um regimento de cavalaria. Estava pintada de cor amarela. A fachada, enorme, pintalgada por inúmeras janelas e portas, sobressaia na massa de casario da vila. Dois canhões do tempo das invasões francesas, pintados de preto, ladeavam a entrada principal do edifício. Era ali que Serôdio iria passar os próximos cinco meses. Lembrava-se da forma tímida como entrara. Afinal estava a entrar num departamento policial, coisa de que o povo português fugia como o diabo foge da cruz. No entanto, depressa se adaptou  ao ambiente, pois estar ali ou na tropa apenas diferia na cor da farda. Ao passo que em Mafra os recrutas vestiam a farda de trabalho número três, de cor verde, em Torres Novas envergavam uma farda de trabalho número três, de cor azul.
         Ainda nesse ano ele pôde constatar que a vida militar afinal diferia em muito da vida policial. Mas, e enquanto fosse guarda provisório, viveria na enganadora sensação de que voltara à tropa.
         Tal como no exército, por ali circulavam homens com patentes idênticas: segundos e primeiros sargentos; alferes, tenentes e capitães. Apenas os nomes mudavam. Respectivamente aos anteriores, passavam a chamar-se então segundos e primeiros subchefes, subchefes ajudantes, chefes de esquadra e segundos comissários. Havia no entanto diferenças enormes. Enquanto que na tropa um galão de alferes ou dois galões de tenente eram utilizados por rapazes novos, na policia o galão de subchefe ajudante ou os dois galões de chefe de esquadra eram atribuídos, na maioria dos casos, a homens velhos e quase em fim de carreira.

         Assim como no exército, os quinhentos e setenta novos guardas provisórios foram divididos por companhias e subdivididos em pelotões. As primeiras formalidades, em consonância com o que se praticava na tropa, foram preencher papelada e tirar a primeira fotografia fardado. Ao contrário do que lhe acontecera com a farda do exército, dentro da farda de policia Serôdio sentiu-se pateta. E depois que viu a fotografia do seu rosto, encimado por aquele abominável boné, sentiu tristeza por ir abraçar aquela profissão. Mas a vida tinha de ser ganha de alguma forma...(em continuação, pág. 81, ex. XXVIII)
in Filhos Pobres da Revolta

Março/2003

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