sábado, 13 de junho de 2015

SIFTO- NOTÍCIAS DO DEUS SUPREMO


...Na noite a seguir a se ter evadido do templo, Masahemba encontrava-se deitado sobre a fofa cama de erva, que rompia numa das margens do ribeiro, cujo caudal era formado pela água que vinha directamente do tanque sagrado do templo de Amon-Rá. Entretinha-se a observar as estrelas, que na sua solidão, lhe sorriam e lhe contavam segredos, que só os ouvidos experimentados de um Sumo Sacerdote seriam capazes de entender. De repente foi puxado à realidade, terminando assim aquele tão elevado diálogo.
         Masahemba sentira uma presença. E não se enganara, pois junto a si encontrava-se o sifto que o trouxera do templo. E mais uma vez, embora a escuridão fosse total, o sifto era perfeitamente visível, através da aúrea que, no escuro, recortava a sua silhueta.
- Aqui estás tu de novo, meu querido rapazinho- disse Masahemba erguendo-se da sua posição de deitado.
- É reconfortante voltar a ver-te, Masahemba. O deus supremo ficou radiante ao saber que tu estavas em segurança.
- Sim, estou bem, mas esfomeado.
- Eu sei! Por isso te trago aqui pão e aves.
De imediato o Sumo Sacerdote pegou na sacola que lhe era estendida. Abriu-a e comeu com voracidade o pão e a carne de faisão e perdiz.
- Aqui, o tempo tem-te sido bom conselheiro?- perguntou o sifto.
- Porque perguntas?- questionava Masahemba com a boca cheia.
- Amon-Rá tem curiosidade em saber se já arquitectaste algum plano para a tua sobrevivência.
- Vou-me manter por aqui até o meu cabelo crescer. Quando deixar de ter a aparência de um Sumo Sacerdote, misturo-me com a multidão e conto com a protecção do disfarce de felas. Vai ser um disfarce cansativo, mas pelo menos preservo a minha liberdade… e a vida. Nada mais me resta fazer.
- Amon-Rá não pretende para ti uma sorte tão humilde como essa. Amon-Rá desconfia do silêncio que vai pelo palácio real. A qualquer momento, alguma acção o faraó irá pôr em movimento para te encontrar. O faraó berrou que nem um louco quando lhe foi transmitido que tu não estavas no templo.
- Que fez o faraó das outras duas sacerdotisas?
- Fê-las aias da já rainha Nefertiti.
- Nefertiti já é rainha do Egipto? Lembrar-se-á ela de mim?
- Isso pouco importa Masahemba- respondeu o sifto- Nefertiti é rainha, rainha de um faraó que te odeia. Por isso não acalentes esperanças de ela interceder por ti. A rainha de cabelos da cor do fogo apenas quererá ser agradável e submissa ao seu faraó. Amon-Rá já encontrou uma família que te vai acolher. Será assim mais fácil para ti iniciares a tua inserção na sociedade dos homens. Trouxe-te um saiote de felas. Mantém-te bem camuflado na densidade de toda esta abençoada vegetação, que amanhã, ao pôr do sol, eu virei buscar-te  e conduzir-te-ei a casa da tal família que te irá receber. A bênção de Amon-Rá fica contigo.
         E o sifto desapareceu numa veloz corrida, chapinhando pelo ribeiro, em direcção ao Nilo.

         Que sorte lhe estaria reservada? Haviam já passado quinze dinastias de faraós e o Egipto prosperara na abençoada sabedoria desses reis, bem como a harmonia que sempre existira entre esses mesmos faraós e os deuses. Pois tinha de acontecer no tempo em que ele chegara ao Egipto, surgir um faraó herético, para lhe dar cabo da vida. O que o Egipto representara para ele sabia-o bem. Mas, dali para a frente, o que ele iria representar para o Egipto, isso era uma incógnita… uma amargurada incógnita...(em continuação, pág. 59, ex. XXII)
in A Causa de MassiftonRá
Novembro/2005

2 comentários:

Clara Gomes disse...

Muito bom!
Já não me lembrava destes maravilhosos pormenores!

poeta do penedo disse...

Olá Clara. Que surpresa e que alegria ver-te por estes caminhos. Obrigado pelas tuas palavras.