segunda-feira, 3 de fevereiro de 2020

O CASO DA MOFINA MENDES


Poucos meses antes de se ter dado o 25 de Abril de 1974, a minha turma, no Liceu D. João III em Coimbra, viveu um episódio complicado, porventura o mais complicado de toda a minha vida estudantil. Eram então uma novidade as aulas de substituição, coisa mesmo muito recente. Aconteceu então que numa inesquecível aula de ginástica o professor não compareceu. Perante a ausência do mestre, e contrariamente ao que era habitual, fomos mandados para a sala de aula e aguardar pela vinda de um outro professor, que de alguma forma iria ocupar o espaço deixado vago pelo colega faltoso. E saiu-nos na rifa uma professora de história, muito nova. Acresce dizer que a nossa turma, daquele 5º ano, era formada por alguns alunos repetentes, como tal, já com uma idade mais avançada do que a maioria. A dita professora entrou, e talvez por ver que na turma existiam alunos espigadotes, assumiu uma postura prepotente. E começou a dar uma aula de história, que era a sua especialidade. Nós, que éramos uma turma barulhenta sim, mas respeitadora, como convinha naquele liceu, perante a prepotência da professora, principalmente porque era tão novinha, não aceitámos aquela postura, e começámos a entrar no campo do gozo, nas respostas às perguntas que ela nos ia fazendo sobre história. E ela, a pouco e pouco, foi perdendo o controle da turma. Até que chegou aquele momento. O 25, do fundo da turma, que tinha a alcunha de «Paizinho», porque era o mais velho, dezoito anos de idade, pediu à professora para mudar de lugar já que a chuva que caía estava a molhá-lo, pois que perto de si existia uma janela com um vidro partido. A professora negou-lhe a pretensão, com a justificação de que quando ele fosse para a tropa iria levar muita chuva em cima e não se iria queixar. Acontece que na turma existiam dois irmãos, os Póvoas, a quem tinha falecido recentemente um irmão no ultramar. Ao ouvir a justificação da professora, o Póvoas mais velho, deu um salto na carteira, levantou-se, e berrando, perguntou à professora o que é que ela percebia de tropa, para logo de seguida se virar para o Paizinho e lhe ordenar que mudasse de lugar, o que ele imediatamente fez. A partir desse momento a professora de história emudeceu, sentou-se atrás da secretária e aguardou que os cinquenta minutos se esgotassem, enquanto a turma se comportava de uma forma perfeitamente indisciplinada, aos gritos e enviando bolas de papel uns aos outros. Quando tocou para a saída a professora de história levantou-se e disse-nos, em tom de ameaça, que decerto nós supúnhamos o que é que ela iria fazer seguidamente. E fez! A queixa seguiu para o Conselho Directivo e daí para o Reitor. E o reitor levantou um processo disciplinar à turma. Todos nós fomos ouvidos, e incrivelmente, tivemos os nossos professores por nós. Mas mesmo assim a turma foi punida com oito dias de suspensão. Metade da turma seria punida numa semana e a outra metade na semana seguinte. E assim se fez. No entanto esta punição disciplinar não teve quaisquer repercussões nas nossas notas. Por essa época tínhamos acabado de dar, em português, Gil Vicente. E um dos seus autos falava de uma Mofina Mendes (a desgraçada). Pois foi com esse nome que baptizámos aquela estranha professora de história, que por ironia do destino dava história à turma ao lado da nossa. Por isso, depois de termos cumprido a punição, quando estávamos a aguardar a chegada do professor para uma aula, e víamos ao fundo do corredor surgir a professora de história da turma ao lado, o que a tinha descoberto gritava:

- Malta, vem lá a Mofina Mendes.

E todos nos íamos encostar à parede do corredor, entre a porta da nossa sala e a porta da sala da turma ao lado, em sentido (caso o nosso professor ainda não tivesse chegado). E essa rotina mantivemo-la até ao final do ano lectivo, que foi mais ou menos até ao 25 de Abril de 1974. Estava-me eu a despedir de Coimbra.
in Prosas Pelas Janelas da Vida
livro I

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