quinta-feira, 14 de agosto de 2008

AFINAL ACONTECEU

Quando se tem 52 anos de idade, existem memórias de momentos ou situações vividas, que já se podem contar por três dezenas de anos o espaço de tempo que nos já separam delas. E é já tanto esse tempo, que acontece perguntar-me a mim próprio se realmente aconteceram, ou não será fruto da minha imaginação.
No já distante ano de 1977, frequentava eu o 2º ano do Curso Complementar dos Liceus. Preparava-me para fazer o Propedêutico; e tinha o sonho de seguir veterinária. Residia então em Alfeizerão. Como pretendia seguir para veterinária, consegui ser assistente do Dr. Vasconcelos, médico-veterinário na Quinta do Gorjão, em Alfeizerão (naquela época). Como que iniciei ali o meu estágio, mesmo antes de ter começado a licenciatura (que por circunstâncias da vida acabei por não fazer). Por tal razão começou a correr na aldeia que eu era veterinário, ou que tinha aspirações a tal. Auxiliava eu o Dr. Vasconcelos havia talvez uns três meses, quando a um Sábado do início da Primavera desse ano de 1977, encontrando-me eu em casa, bateram à porta, perguntando pelo doutor veterinário. A minha mãe ficou espantada e respondeu que ali não vivia nenhum veterinário. Mas a pessoa insistia que era ali sim senhor. A minha mãe, sabendo da minha acção junto do Dr. Vasconcelos, chamou-me então. Era para me dirigir à quinta do Gorjão, porque uma porca tinha ido à cobrição, morrera enquanto era coberta, e precisavam de saber se a porca podia ou não ser consumida. Os meus pais olharam para mim com desconfiança- vê lá rapaz o que vais fazer. E lá fui eu, num 2 cavalos, interiormente muito satisfeito por estar a ser considerado veterinário, mas apreensivo, pois não sabia o que havia de fazer à vida.
Lá chegado, levaram-me atá à porca, cuja carcaça se encontrava rodeada por três ou quatro pessoas.
E agora que fazemos, senhor doutor?
Mas que doutor? Eu não era doutor nenhum!
Não era o que se dizia pelas redondezas. Sempre a trabalhar com o Dr. Vasconcelos!!
Bem, alguma coisa tinha de ser feita. Pedi então que abrissem a bicha, para poder chegar a alguma conclusão, se é que seria capaz de tal. Pedi que me expusessem os pulmões, o que fizeram. E foi então que reparei que os pulmões da porca apresentavam muitas bolhas de líquido, algumas delas rebentadas. Recorrendo aos meus elementares conhecimentos da forma como funciona o organismo de qualquer mamífero, conclui que: 1º- a porca sofria de uma doença pulmonar, a julgar por aquelas bolhas que nos pulmões não deveriam existir; 2º- no esforço da cobrição, o animal morrera, provavelmente ao facto de algumas daquelas bolhas terem rebentado; 3º- o sangue, passando pelos pulmões, efectuando ali a troca gasosa, libertando o dióxido de carbono e recebendo o oxigénio, inevitavelmente, fora contaminado pelo líquido estranho ao organismo, existente nas bolhas, e como tal, contaminara a estrutura celular do animal, enchendo assim de toxinas toda a carne. O animal não estava próprio para consumo. Foi esse o meu veredicto...que foi respeitado, e a porca enterrada.
Na segunda feira seguinte, ao encontrar-me com o Dr. Vasconcelos, contei-lhe a minha odisseia, tendo-me ele dito então que eu acertara em cheio, pois a carne da porca estava mesmo contaminada, tendo a causa da morte, e baseado nas informações que lhe transmiti, sido uma congestão pulmonar, tendo-me dado os parabéns pela conclusão a que cheguei, e rindo-se pelo facto de eu ter sido considerado veterinário.
Esta recordação acompanha-me há 31 anos. Tantos anos, e sendo eu o único protagonista conhecido, que me interroguei já se não seria imaginação minha.
Até há três dias, em que, em Alfeizerão, me encontrei com o meu velho amigo Paulino, a quem não via há muitos anos. que ao ver-me disse: «Olha o senhor doutor!», tendo-me abraçado. Eu não percebi a exclamação, porque não sou doutor nenhum, e fiz-lhe essa observação.
- Então pá, não te lembras daquele dia em que foste chamado à Quinta do Gorjão, para dizeres se a porca que tinha morrido na cobrição se podia ou não comer?
- O quê? Ó Paulino, então tu estavas lá?
- Pois estava. Fui eu que abri a porca que tu mandas-te abrir. Não te lembras?
Olhem-me como a vida é, e como se encarrega de dissipar dúvidas. Afinal aconteceu!!

2 comentários:

Clara Gomes disse...

Pois só podia ter acontecido,
porque o nosso Futrica, tem uma memoria"prodigiosa"!
E o que ele tem tambem, é uma forma maravilhosa de contar as pequenas coisas do dia a dia, em viagens fantáscicas, em que as palavras se transformam em gente,bichos, florestas, brumas, cheiros, rúidos e silencios, que nos prendem os sentidos!!
Coisas de gente que nasceu para escrever!!

Poeta do Penedo disse...

Clara, quase seis anos depois de teres escrito este comentário, aqui te venho agradecer estas palavras tão carinhosas e motivadoras.
Que Deus permita que eu continue a escrever com entusiasmo e que a ti te faça muito feliz, e crie as condições que possibilitem o reconhecimento de todo o teu potencial.
Obrigado