segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

FOGO NUM OLHAR DE ESMERALDA



...Terminada a longa oração, o faraó levantou-se do trono que para si fora propositadamente construído. O Sumo Sacerdote, que em frente ao tabernáculo se mantivera em silêncio absoluto, como que despertando de um transe, ao ver o faraó levantar-se dirigiu-se a ele, ajoelhou-se e beijando-lhe as mãos disse:
- Amon-Rá receberá as tuas preces, divino senhor.
- Sinto-me muito bem, Sumo Sacerdote. A união do faraó com o deus dos deuses é fundamental para a harmonia do reino. Abandono este local sagrado com imenso júbilo. Pela primeira vez entrei neste templo na condição de rei; pela primeira vez estive nesta sala, reservada apenas à presença de reis. Estou imensamente feliz.
- O meu peito exalta de alegria, divino senhor- disse Masahemba- pois é meu humilde dever canalizar as preces do faraó para Amon-Rá. A tua felicidade é sinónimo de que cumpri bem o meu dever. Segue-me divino senhor.
E Masahemba guiou o faraó até ao imenso átrio, banhado pela luz solar. Ali, encontravam-se três sacerdotisas, que ao verem o faraó despontar do interior das salas destinadas ao tabernáculo sagrado, se ajoelharam.
- As sacerdotisas do templo te saúdam- disse o Sumo Sacerdote.
O faraó contemplou as três jovens mulheres. Quedou-se por momentos, extasiado. Depois perguntou ao Sumo Sacerdote:
- São virgens?
- Divino senhor, as sacerdotisas têm a sua iniciação ainda muito jovens, quando crianças, quando tocadas pela bênção de Amon-Rá. Quando chegam à idade adulta, os únicos homens que vêem são o Sumo Sacerdote e o faraó. Uma sacerdotisa tem de ser pura, na alma e no corpo.
- Qual é especificamente a missão delas?- perguntou o faraó.
- Ao nascer do sol, agradecem a Amon a gentileza de mais um dia a sua luz fecundar a terra. Ao pôr do sol, agradecem a Amon todos os benefícios que a sua luz, durante mais um dia, trouxe aos homens.
Recebida a resposta à sua pergunta, muito lentamente aproximou-se das três sacerdotisas. Fixando-as, passou pela primeira, passou pela segunda, e ao chegar à terceira, parou. O seu olhar, de súbito ganhara um intenso brilho. A terceira sacerdotisa tinha o cabelo da cor do fogo, intensamente vermelho. O faraó ordenou-lhe que se levantasse. Ela assim fez, mantendo, no entanto, o olhar dirigido ao chão. O faraó ordenou que ela o olhasse. Muito lentamente, com relutância, ela começou a elevar o olhar, percorrendo o corpo do faraó, até lhe fixar o rosto. O rei estremeceu. Diante dele estava um rosto ardente, pintalgado de deliciosas sardas, e uns olhos de um profundo verde esmeralda, que produziam nele uma onda de paixão.
- Como te chamas?- perguntou o faraó à sacerdotisa.
- Nefertiti, divino senhor- respondeu Masahemba.
- Eu não te perguntei coisa alguma, Sumo Sacerdote. Quero que seja ela a responder-me- disse o faraó com um tom de voz traduzindo irritação.
- Ela está proibida…
- Quem aqui tem voz activa para proibir, sou eu! E eu ainda a não proibi de nada- disse o faraó rispidamente ao Sumo Sacerdote- sacerdotisa, o teu faraó quer saber o teu nome- disse o rei, fixando os encantadores olhos verdes da sacerdotisa.
- Nefertiti, divino senhor- respondeu a sacerdotisa.
- Que belo nome de mulher…
- Ela não é uma mulher, divino senhor, é uma sacerdotisa.
- Sumo Sacerdote, interrompeste o teu faraó, quando este falava. Não o repitas. Quando eu regressar a este templo, quero que as minhas sacerdotisas me acompanhem nas orações.
- Com todo o respeito e submissão, divino senhor, te informo de que as sacerdotisas não são tuas. Amon-Rá é o seu senhor.
- Sumo-Sacerdote, tudo o que existe no Egipto, vivo ou morto, é propriedade do faraó. As sacerdotisas entregam a alma a Amon, mas o seu corpo é do faraó.
- Divino senhor, o corpo de uma sacerdotisa está purificado pela bênção de Amon. Logo, é como se a sacerdotisa fosse apenas alma.
- Por hoje chega de conversa contigo. Abre o pórtico para eu sair… e não te esqueças, Sumo-Sacerdote, quero ser acompanhado pelas sacerdotisas nas minhas orações.
O enorme pórtico foi aberto; o faraó saiu do templo; o pórtico fechou-se de novo.
Masahemba observara atentamente o momento em que o faraó ficara frente a frente com a sacerdotisa Nefertiti. Sentira a sua agitação. O faraó era bastante jovem. Que Horus iluminasse o faraó, no sentido de lhe fazer compreender as repercussões negativas, que poderiam advir do facto de uma sacerdotisa despertar ímpetos mundanos...(em continuação- pág. 15- ex. V)

in A CAUSA DE MASSIFTONRÁ

Novembro/2005

2 comentários:

Teresa Fidalgo disse...

Pois é! E agora? Qual será o poder que se sobreporá? Num instante o faraó quis mudar a ordem, sobrepor-se ao divino... E agora? Que poderá acontecer quando a ordem é subvertida? Mas,... será justa a ordem imposta?
Muitas questões, a meu ver, poderão ser levantadas com este texto...

Saudações, caro Porta do Penedo, Saudações

Poeta do Penedo disse...

Cara Teresa Fidalga
Pois é, aí é que está a questão, a tentativa do faraó sobrepor-se ao divino...neste muito específico Egipto. Mas acho que muito terá o faraó de suar para levar a bom termo os seus intentos. Amon-Rá, por alguma razão é o deus supremo.
Briosas saudações