quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

INVASÕES, FRANCESES, INGLESES E ALMEIDA GARRETT

...1807 foi o ano em que a França, que ajudara um outro país a tornar-se independente, tudo fazia para nos retirar a nós a independência. Cabia-nos a nós, portugueses dessa época, como o caberia aos portugueses do século XXI, se tal fosse necessário, dar o que de mais precioso tínhamos, para defender a nossa pátria – a vida. E foi o que se fez.
A corte, constituída pela Rainha D. Maria I, o príncipe D. João, a princesa D. Carlota Joaquina, os infantes D. Pedro e D. Miguel, e a infanta D. Isabel Maria, abandonaram Portugal e foram-se exilar na colónia portuguesa do Brasil. Embarcaram no dia 29 de Novembro de 1807. Politicamente foi um acto correcto. Mas como a politica é feita de cinismos, falsidades, deslealdades e também de cobardias, humanamente falando, considero que a corte partiu, abandonando o reino e o povo à sua sorte.
Entre pilhagens e violações, de tudo um pouco os franceses foram fazendo por esse país fora. Mas, nos momentos decisivos, os momentos dos confrontos entre os exércitos francês de um lado, luso – britânico do outro, os franceses foram sempre derrotados. Eram os nossos avós a transmitirem aos braços lusos aquela força, aquela têmpera que nos estava a fazer falta, e que na hora exacta chegou.
Aconteceu a 2ª invasão francesa comandada pelo general Soult, que em poucos meses foi rechaçada.
E por fim chegou a 3ª e última invasão. O exército francês, constituído por oitenta mil homens, entrou em Portugal em Junho de 1810, pela Beira Alta, comandado pelo general Massena. Tem um especial significado para mim esta invasão, pois nela teve lugar a Batalha do Buçaco, no dia 27 de Setembro de 1810, em que o exército francês mais uma vez foi derrotado, tendo ficado bastante fragilizado, pelo que pouco tempo depois, tentando invadir Lisboa, não conseguiu passar das linhas de Torres, em Torres Vedras, onde foi finalmente aniquilado, tendo o espectro francês, que pairava sobre Portugal, se extinguido nas linhas de Torres. A Batalha do Buçaco deu-se na Serra do Bussaco (Buçaco como se escreve hoje em dia), perto da qual se localizava a pequena quinta do meu pai, «Malhal de Sula», pelo que, eu, com dez anos de idade, lembro-me muito bem da movimentação das tropas portuguesas e inglesas, a quem o meu pai providenciou alimentos. E recordo as coisas horríveis que vi, após o desenlace da batalha. Dois soldados franceses, em pânico, fugindo dos nossos, vieram a ser apanhados nas nossas terras, e ali mesmo foram executados. Demos àqueles dois soldados franceses uma sepultura cristã. Quando começou a assentar o barulho dos canhões, os disparos das espingardas e o longínquo trovoar de vozes humanas, começou a chegar um silêncio profundo das serranias do Bussaco, um silêncio de morte, que trazia consigo um cheiro putrefacto, que nos impregnava as narinas de nojo. Era o cheiro de muitas centenas de cadáveres em putrefacção.
Ainda hoje, passados que são cento e noventa e seis anos sobre essa batalha, muitos dramas se continuam a desenrolar, sem que os seus protagonistas se tenham apercebido dos anos que já passaram sobre o dia em que ocorreram.
Durante os três anos, pelos quais decorreram as três invasões, os franceses foram cruéis vândalos, ladrões e assassinos. Por esse país, desde o Minho ao Algarve, praticaram todo o tipo de actos criminosos. Se Portugal, no final do século XVIII, era um país pobre e desacreditado, no início do século XIX passou a ser um país miserável, despojado das poucas riquezas que aqui e ali existiam, fruto da mão criminosa de uma França, que no seu próprio território lutava por uma maior igualdade entre os homens. Que enorme contradição!
Portugal era um país devastado, mas continuava a ser uma nação soberana. Pudemos e soubemos fazer do tratado de Fontainebleau um tratado de letra morta.
Entretanto, os nossos aliados ingleses, que nos deram um precioso auxílio na expulsão dos franceses, e porque de politica se tratava, não nos auxiliaram apenas por respeito à antiga aliança. Teriam em mente alguns planos, quem sabe se não fazer de Portugal uma colónia britânica?! Haviam perdido recentemente a sua enorme colónia na América. Que mais não fosse, para sarar um pouco o orgulho ferido. Era apelativa a ideia de conseguirem uma nova colónia em plena Europa, depois de haverem tido os seus exércitos envolvidos em encarniçados combates contra o seu maior inimigo – a França. Mais uma vez, no meu sempre questionável ponto de vista, penso que esta hipótese passou pela mente dos governantes britânicos; e digo isto pelas medidas a que se propuseram tomar, em território português, tais como pretender submeter o exército português ao comando de oficiais superiores ingleses, e mesmo, pelo facto de em Portugal, terem prendido portugueses sob a acusação de jacobinismo.
Em 1815 grassava em Portugal o sentimento anti –britânico.
No ano seguinte, em 1816, morreu a rainha D. Maria I, pelo que o príncipe D. João foi proclamado rei de Portugal, com o título de D. João VI; mas encontrava-se no Brasil, não em Portugal, apesar da ameaça francesa se ter extinguido havia já seis anos.
Com o rei fora do reino e a presença britânica em Portugal a manifestar-se cada vez mais opressiva, começou a germinar no seio do povo uma necessidade latente de liberdade. Chegavam os primeiros ventos do liberalismo. Um reino sem rei, era atractivo para as tais intenções colonialistas por parte dos ingleses. Sentindo que Portugal reagia ao crescendo da opressão inglesa, o governo britânico enviou, em 1820, o general Beresford ao Brasil, para que obtivesse do rei português uma maior concentração de poderes, no intuito de melhor poder reprimir acções de revolta, de índole liberal.
Em Portugal o liberalismo deixara de ser uma intenção e passara a ser um conceito.
E por essa altura eu já frequentava a faculdade de medicina, na universidade de Coimbra. Respirava liberalismo. A faculdade inflamava-se com os poemas de incitação à revolta de Almeida Garrett, então um jovem como eu.
No que concerne aos requisitos, que aí na terra, o homem considera serem importantes para que o nome de alguém se torne famoso e imortal, Almeida Garrett preencheu-os todos, pois ainda hoje, passados que são duzentos e sete anos sobre o seu nascimento (era um ano mais velho do que eu), o homem que foi Almeida Garrett, prosador e poeta, continua a ser lido e estudado. Nos parâmetros terrestres eu não atingi qualquer popularidade, pelo que faço parte do imenso rol de gente cujo nome não atravessou a espessa barreira da expressão «povo». Não sei se a mesma situação nos foi destinada aos dois, aqui onde me encontro. Aquele que aí na terra materializou Almeida Garrett, não o tenho visto por aqui. Não faz parte do meu grupo espiritual, portanto também é difícil que o veja...(em continuação, pág. 9- ex. III)

in ALMA DE LIBERAL

Junho/2009

10 comentários:

Unknown disse...

Caro Poeta
há uns tempos falamos aqui sobre o ser português. Pois há um aspecto em que, penso eu, somos muito bons: na união perante a adversidade ou a agressão externa. A reacção popular foi absolutamente heróica perante as tropas napoleónicas. Aqui no Minho contam-se histórias de bravura incríveis: desde padres que lutaram de espada na mão para proteger as igrejas até mulheres de "barba rija" que superavam os homens em coragem e habilidade no manejo das armas.
Quanto à atitude da Corte, o nosso rei foi insultado por muita gente, incluindo meritórios historiadores como Oliveira Martins mas, na verdade, fez o que de mais inteligente podia ter feito: ao "fugir" para o Brasil ele poderia estar a evitar a perda da independência: se o franceses conquistassem Lisboa, o nosso país permaneceria oficialmente independente enquanto o rei fosse vivo, mesmo vivendo no Brasil.
Até na fuga somos heróis, caro Poeta! :)
um abraço!

Mari Amorim disse...

Olá amigos!
Está acontecendo até o dia 07/03 a BlogagemColetiva,
proposta pelo blog http://fio-de-ariadne.blogspot.com
Meu Oscar Vai Para:
Venha conferir e comentar minha participação no:
http://sempretensoesamorcontos&causos.blogspot.com/
amigo,gosto muito daqui,e da história portuguesa.Te espero lá
Boas energias
Mari Amorim

Poeta do Penedo disse...

Caríssimo Manuel Cardoso
Que mais não seja (mas serve para muuuito mais), a história serve para nos recordar de que têmpera somos feitos. Não tenho qualquer dúvida de que nos dias de hoje, caso tivéssemos a infelicidade de passarmos pela experiência de uma agressão à nossa independência, esqueceríamos as questões que nos dividem, esqueceríamos fundamentalmente tudo o que nos faz pensar que seríamos mais felizes se tivéssemos uma outra nacionalidade, e enfrentaríamos o inimigo de forma encarniçada como os meus ancestrais fizeram, com os olhos marejados de lágrimas perante o verde e vermelho da nossa bandeira e o som da portuguesa a fazer-nos acelerar o coração.
D. João VI fez o que tinha de ser feito, muito embora não deixe de ser verdade que o povo português ficou abandonado à sua sorte. Mas a defesa da soberania nacional estava acima de qualquer coisa.
Obrigado pela visita e pelo historicamente robusto comentário, caríssimo amigo.
Com amizade.

Poeta do Penedo disse...

Cara Mari
Obrigado pela visita, e agradecido pelo convite.
Um abraço.

Gibson Azevedo disse...

Pura! Puríssima história da alma lusitana! Aqui, desde o continente americano, não hesito em aplaudir esses movimentos libertários, que há duzentos anos nos embevecem, nos encantam...
Todos nós temos um pouco de Almeida Garrett. E a liberdade - nossa mãe, nosso bem maior -, a um Garrett enorme, penhoradamente agradece.
Por herança histórica, a minha alma lusitana de brasileiro se confreterniza com todos os portugueses, que, generosamente, verteram seu sangue em prol da sua identidade nacional e sua liberdade.
Com emoção, Gibson Azevedo

Teresa Fidalgo disse...

Poeta do Penedo,

Pois bem, depois de ler este texto só me ocorre dizer uma coisa: Realmente, para que precisamos nós do "governo"? Bem nos desenrascamos sem ele!
Embora compreenda que a "ida" para o Brasil tenha sido uma estratégia, mais me pareceu um slavem-me a pele do que um slavem a pele do meu país.
Um abraço!

MM disse...

Caro Poeta,

Felicito-o por este post que tantas reacções promoveu, um sinal particularmente positivo sobre a relevância do que foi publicado.

Não evitei relembrar algo que se me foi relevado na leitura de um livro que nem recomendo muito, por ser aborrecido, da autoria de Benazir Bhutto.

Nele é revelado que o apoio à formação de democracias nos países muçulmanos desenrolou-se quase sempre de acordo com uma agenda de interesses por parte dos britânico e dos norte-americanos, principalmente.

Se um governo autoritário representasse benefícios para estes 2 países, a questão da democracia ficava latente, caso contrário surgiriam pressões e mesmo intervenções militares no sentido sob o pretexto da democracia.

Ora esta dupla incongruência da França, que nos é relatada primeiramente sobre a nossa independência e depois sobre a igualdade entre os homens, em muito se assemelha à acusação de Bhutto.

A resposta para este comportamento está na forma como neste texto se qualifica a política. A agravante é que 200 anos volvidos e a escala de valores não parece ter mudado, sinal de que é a natureza do homem que está em jogo nessas dinâmicas políticas.

Um abraço,

Marcelo Melo
www.3vial.blogspot.com

Poeta do Penedo disse...

Meu caro Gibson
quão forte foi a presença brasileira nos acontecimentos que tiveram lugar em Portugal, há duzentos anos.
Na sequência da luta que travámos por manter a nacionalidade, ganhou o Brasil a sua independência. São dois momentos cruciais na história dos nossos povos.
Duzentos anos depois, de Portugal segue um forte abraço para algures no Brasil.
As suas palavras são sempre recebidas com enorme expectativa...e quando o assunto é a Pátria Mãe, a sua e a minha, são na verdade palavras emocionadas.
Obrigado pela amizade que me dispensa.

Poeta do Penedo disse...

Cara Teresa Fidalgo
Na realidade estivemos 14 anos à deriva, mas fomos suficientemente fortes para não deixar o barco ir ao fundo. Duzentos anos depois, hoje, necessários são marinheiros daquela têmpera, porque a perícia de bem navegar é necessária, já que a corrente é muito forte e o nosso barco, se não anda à deriva, para lá caminha.
Briosas saudações.

Poeta do Penedo disse...

Caro Marcelo Melo
Sem dúvida nenhuma que a natureza do homem é que direcciona a política. Na verdade chamou-me a atenção o facto de a França ter apoiado o processo de independência dos Estados Unidos, porque ao fazê-lo, fragilizaria o seu inimigo de sempre- a Inglaterra, para, três décadas depois, atentar contra a nossa independência, porque tínhamos os nossos portos abertos aos ingleses. E os ingleses logo nos vieram ajudar, para assim poderem ajustar contas com a França pela ajuda que deram aos norte-americanos, e poderem controlar o ponto estratégico que para eles representava Portugal. E assim nasceram as marcas inglesas de vinho do Porto. Só mesmo nós!
Com amizade