terça-feira, 14 de setembro de 2010

UM INFANTE NO EXÍLIO



...Não sei que pensamentos, que sentimentos terão passado pela mente e coração do rei D. João VI, mas decerto que agradáveis não terão sido. Com poderia eu, conduzindo os destinos da minha casa, fazê-lo convictamente, sabendo que estava a ir contra a vontade da minha mulher e do meu filho? É certo que um rei, ao conduzir os destinos da sua casa, conduz também o destino de um povo; mas também não é menos verdade que aquela esposa era também rainha e que o jovem filho era infante!
Ao rei talvez lhe tenha faltado convicção política no liberalismo, quem sabe se até força de carácter. O que é certo foi que perante a Vilafrancada D. João VI aboliu a Constituição de 1822, que jurara, e atribuiu o comando do exército ao infante D. Miguel. O absolutismo regressava a Portugal. O rei, que fora aclamado como o salvador do povo, tornava-se agora no seu principal repressor… mas assegurava o seu lugar no trono. Que importância tinha o povo?! Volvidos que são dois séculos, terá o povo adquirido a importância a que diz ter direito?
A ambição terrena leva muitas vezes à perdição. No lugar em que me encontro é convicção que a riqueza aí na terra produz muita pobreza aqui, pois ser dono da riqueza material é a maior prova à elevação da alma; e quantas riquezas existem que não têm produzido qualquer elevação espiritual.
D. Miguel já se mentalizara de que o trono de Portugal lhe havia de pertencer; por isso, mesmo com o pai a ceder ao absolutismo, sem no entanto ter abdicado do trono, o infante, com o apoio da sua mãe, continuava a conspirar. O seu objectivo não era agora o regresso do regime absoluto, que esse já o alcançara, mas o próprio trono. E existiam planos para que o rei fosse preso em Vila Viçosa. Essa conspiração foi descoberta apenas cinco meses depois da Vilafrancada, em 26 de Outubro de 1823. Perante este golpe D. João VI foi brando. Era marido e pai.
Entretanto chegou o ano de 1824. Em Fevereiro desse ano, uma grande ameaça foi feita ao rei, quando o seu conselheiro, o Marquês de Loulé, foi assassinado. Dois meses depois ocorreu o segundo golpe militar absolutista – no dia 30 de Abril de 1824. Ficou conhecido como a Abrilada. O infante D. Miguel não pretendia repor o absolutismo, pois que continuava em vigor, mas somente obrigar o pai a abdicar do trono. As forças de D. Miguel chegaram a prender D. João VI. No entanto o corpo diplomático estrangeiro interveio, pelo que foi possível ao rei refugiar-se num navio inglês ancorado no Tejo. Desse navio, o rei D. João VI, tomou, finalmente, uma atitude: determinou o exílio de D. Miguel e intimidou a rainha D. Carlota Joaquina a que fizesse o mesmo. De novo, a coroa portuguesa, num momento politicamente crítico, era auxiliada por Inglaterra, a fim de manter a soberania do rei.
E foi neste cenário politico, terrivelmente conturbado, que eu nasci, me criei na pacatez da quinta dos meus pais, Malhal de Sula, fui estudar para Coimbra sob a orientação do mui sábio, venerando e afável frei Lourenço de Santa Cruz, e me formei como médico, na universidade de Coimbra. Saí doutor em 1823, o doutor Joaquim Passos Lopes...(em continuação, pág. 14, ex. VI)

in ALMA DE LIBERAL

Junho/2009

6 comentários:

Gibson Azevedo disse...

Um bom texto, caro Fareleira. Nos diz respeito de perto, posto que, estes personagens por aqui estiveram, quando da agressão da França a Portugal. Penso que o príncipe D.João VI, depois rei, devia ter tomado pulso desde o início, quanto aos degenerados da família. No caso "seu filho", D. Diniz, e a rameira Carlota Juaquina, "sua mulher". Haveria, com umas medidas mais enérgicas, se evitado, na sequência, episódios funestos e desabonadores na história do bravo povo Português.
Grande abraço, amigo.

Mari Amorim disse...

Poeta,
Me encanto quando leio e interligo a história de Portugal e Brasil,estou pesquisando sobre a Princesa Isabel,
minha curiosidade sobre Dr.Joaquim Passos Lopes,ficarei torcendo para que continue nos contando sobre essa
"existência".Estou indo,mas volto,sempre com uma xícara de café,fico horas por aqui,lendo e refletindo.
Que Deus te abençoe com bençãos sem medida!
Sejas feliz neste dia e em todos os demais,saúde,e paz!
Boas energias,sempre
Mari

Poeta do Penedo disse...

Caro Gibson
imediatamente a seguir à independência do Brasil, Portugal viveu um período terrível, quando, não vinha de uma vida fácil anteriormente a essa mesma independência. As primeiras três décadas do século XIX foram feitas de histórias de sangue e terror. Estou convicto de que, se D. João VI tivesse sido um homem de outra tempêra, muitos dias negros teriam sido poupados.
Pelo que vejo, a fama de D. Carlota Joaquina, de não dever nada à fidelidade, chegou ao Brasil. Na realidade parece não ter sido uma raínha que tenha deixado grandes saudades.
Com forte amizade.

Poeta do Penedo disse...

Cara Mari
Como virá a constatar na sua pesquisa, a princesa Isabel teve a sua quota parte de intervenção, na governação do reino de Portugal, como regente, durante um breve período.
Quanto ao Dr. Joaquim Lopes, penso que terá muito para contar sobre quem foi, o que fez, o que se fez à sua volta... e sobre quem é.
Que Deus a oiça e me faça o favor de lhe retribuir esses votos.
Com muita amizade.

MM disse...

Caro Poeta do Penedo,

Deixe-me dizer-lhe que não sendo um apaixonado por História enquanto disciplina de estudo isolada e específica, apraz-me contactar com factos e períodos "históricos" se enquadrados em tramas ou sequelas ficcionadas que se apresentem como verdadeiro o fio condutor do que se narra.

O enquadramento que fez do início de vida do doutor Joaquim Passos Lopes é agradável enquanto subtil e atractiva aula de História.

Pela minha propensão mais lógica e metafísica, registei prontamente as questões: "Que importância tinha o povo?! Volvidos que são dois séculos, terá o povo adquirido a importância a que diz ter direito?"

Encontro nelas um bom ponto de partida para uma discussão pertinente! Mas deixo-a porventura para uma reflexão futura.

Felicidades,

Marcelo Melo
www.3vial.blogspot.com

Poeta do Penedo disse...

Meu caro Marcelo Melo
durante três anos viajei um pouco pela história e descobri coisas que me arrepiaram, outras que me encheram o coração de ardor revolucionário, porque eu já vivi uma revolução. Já sei um pouco a que sabe. O doutor Joaquim Passos Lopes foi um excelente companheiro, um homem de carácter, a quem as injustiças sociais feriram imenso. E elas mantém-se, com as devidas adaptações à actualidade, passados que são 200 anos.
É um enorme prazer ler a sua capacidade analítica referente a um texto meu.
Um grande abraço, meu amigo.