
...Ligado a um ventilador, Serôdio confiava que a máquina lhe mantivesse a vida.
Em resultado das agressões de que fora vítima, sofrera múltiplas lesões: costelas partidas, fractura de um braço, fractura da cana do nariz e o pior de tudo- aquela violenta pancada com a cabeça na esquina da parede provocara-lhe traumatismo craniano, pelo que havia três meses que se encontrava em coma profundo.
A principio a sua mãe achara que era ilusão de óptica, mas depois confirmou que afinal era verdade. Serôdio mexia a mão direita e nos seus lábios havia movimento.
A mãe de Serôdio saiu a correr do quarto do hospital a fim de avisar alguém. Sim, era verdade, Serôdio acordava lentamente e finalmente regressava à vida.
A mãe e dois médicos que agora o rodeavam estavam ansiosos por saberem em que estado físico ele se encontrava, depois de regressar da batalha que durante três meses mantivera com a morte.
Os globos oculares movimentavam-se por debaixo das pálpebras fechadas. As mãos e os pés mexiam-se energicamente, o que era um óptimo sinal. A sua parte motora em principio não fora afectada. Restava saber como estaria a sua condição sensorial e principalmente a intelectual.
Enquanto Serôdio era avidamente observado pela mãe e pelos médicos, ele próprio ia, segundo a segundo, tomando consciência do seu corpo. Na mente bailavam-lhe imagens confusas de uma linda senhora vestida de branco, de rostos amigos que antes não vira e de uma certa mensagem relacionada com uma tal alma gémea, a sua alma gémea, que o acompanhava havia muitos séculos. Era incrível! E essa alma gémea era... sim, era ela, não tinha dúvidas nenhumas... D. Silvina.
No despertar para a vida, no meio do movimento brusco dos olhos ainda fechados e de espasmos musculares, Serôdio ia balbuciando: « D. Silvina... Silvina... alma gémea».
- O meu filho pronunciou o nome Silvina- comentava a mãe de Serôdio, fixando os médicos com um olhar que demonstrava um misto de felicidade e estranheza- quem será esta Silvina?
- A senhora não deve ligar importância ao que o seu filho diz, mas à forma como fala. Parece que articula bem as palavras. O resto são apenas reacções a um estado profundamente traumático, do qual finalmente se liberta- explicou um dos médicos.
- Sim, só pode ser isso- disse D. Amélia, mãe de Serôdio, que teria ficado muito feliz se em vez de ouvir «Silvina» da boca do filho que despertava de um coma profundo, antes tivesse ouvido a palavra «mãe»...(em continuação, pág. 55- ex. XVII)
in FILHOS POBRES DA REVOLTA
Março/2003