sexta-feira, 17 de maio de 2013

SEGREDOS NO MAIOMBE


...Organizado o grupo de ataque, todos desapareceram na imensidão do capim e da floresta. Na picada ficaram cinquenta homens junto às viaturas e armamento pesado, que uma vintena de metros antes da curva,  aguardavam o sinal de ataque. O silêncio humano era total. Apenas se ouvia o diálogo da floresta. Aves e macacos tagarelavam animadamente na sua linguagem feita de guinchos e grasnidos.
         Os cem homens comandados pelo capitão Rebelo avançavam divididos em secções de dez. Duas das secções eram comandadas por dois alferes. As restantes oito eram lideradas por sargentos e furriéis. Caminhavam muito lentamente, ligeiramente curvados, as g3 bem seguras nas mãos suadas. O capim roçava-lhes os camuflados. Todos tinham os olhos postos num ponto- o local onde o tronco fora derrubado. Embora o não vissem, todos pressentiam a sua localização exacta.
         À direita dos soldados estendia-se a imensa floresta. Vigiavam a frente, a densidade do capim e também observavam as copas das árvores. A sua comunicação era apenas gestual. De vez em quando paravam e ajoelhavam-se para melhor se confundirem com a vegetação, e assim a observação poder ser mais precisa.
         Álvaro comandava a primeira secção. Ia em permanente contacto visual com o comandante de companhia. Seguiam-no dez homens, dez jovens rapazes, que tentavam disfarçar o medo que os consumia. Pertenciam ao seu pelotão e tinham feito questão em o seguir naquela incursão inesperada pela densidade da mata. Eram dez bons e dedicados amigos. Ali se desenrolava um exemplo do que ele considerava ser o espírito militar, de mãos dadas com a condição de se ser homem: a entre ajuda, a solidariedade, a amizade que os unia e os fortalecia na luta contra a morte. Cem homens, cem famílias que naquele preciso momento,  encontrando-se na Metrópole, ignoravam que os seus ente queridos caminhavam engolidos pelo mato, as mentes vazias de tudo o que constituía a vida, mentes prenhes apenas de instinto de sobrevivência.
         Caminhavam havia duas horas, quando o capitão Rebelo repentinamente se agachou e fez o gesto para todos se deitarem. Seguidamente os homens, rastejando, se foram juntando, desenhando uma longa fila. A cerca de cem metros à frente, lá se encontravam cinquenta rostos negros, que escondidos na robustez do tronco caído, com as Kalachnikov e algumas g3, aguardavam o aparecimento da companhia de tropas portuguesas. Ignoravam por completo que grande parte dessa companhia se encontrava à sua retaguarda, tendo-os bem na mira.
-         Alferes Santa Cruz, a sua previsão não podia ser mais exacta- disse o capitão Rebelo, sorrindo.
-         Estou a ver que sim meu capitão. Mas não consigo compreender como isto me aconteceu.
-         Olhe, eu também não percebo nem estou interessado em perceber. Apenas me sinto grato a si por ter acontecido. Íamos levar uma tareia...
         Subitamente, os guerrilheiros negros que se avistavam por entre o capim, começaram aos pulos, abandonaram as armas, galgaram a espessura do tronco e bateram em retirada, correndo pela picada na direcção do resto da companhia, que se encontrava para lá da curva, ao mesmo tempo que se ouvia uma forte detonação. A mina anti carro, colocada na picada, acabava de explodir.
         Os soldados observavam a cena atónitos. O capitão Rebelo ainda deitado de barriga para baixo, perguntava:
-         Mas que raio se está ali a passar? Isto è a guerra ou um filme de desenhos animados?
-         Então meu capitão, não está contente? Sem disparar um tiro desbaratou um grande grupo inimigo. Vai apreender armamento e se calhar até fazer prisioneiros! Foi uma operação segura e nada dispendiosa- dizia o alferes Mendes.
-         Alferes Mendes, tenha dó de mim- respondia o capitão- nós não ganhámos nada. Não tivemos mérito nenhum nesta operação. O alferes Santa Cruz deu em adivinho e os turras puseram-se a fugir sem sequer termos disparado um tiro. Ao menos, com uns tiritos dados, talvez eu tivesse trabalhado para uma medalhita ao peito, lá na Metrópole.
-         Meu capitão, não há baixas nem feridos. Isso não è o bastante?- perguntou Álvaro.
-         Não houve guerra alferes Santa Cruz. E eu sou um profissional da guerra. Bom, mas deixemos esta conversa. Para vocês, oficiais milicianos, è muito difícil compreender a lógica da guerra. Mas vós sois bons rapazes. E no fundo estou feliz por tudo ter acabado bem. Com tantos turras aqui aglomerados, será muito improvável que tenha sido outro grupo e não este, que há dias atacou o aquartelamento. Só não sei que raio hei-de eu escrever no relatório da operação. Vamos para o Ninda fazer a celebração que eu prometi. A ver vamos se o cozinheiro nos pode dar rancho melhorado.
         Os homens abandonavam o local de onde se preparavam para atacarem os guerrilheiros angolanos, quando Álvaro puxou o braço do comandante de companhia e disse:
-         Meu capitão, olhe ali para a esquerda.
-         Para onde?
-         Ali- e Álvaro apontava- olhe ali três brancos.
         A cerca de cem metros encontravam-se três homens. Dois estavam vestidos de amarelo torrado e o terceiro de azul. Os três tinham a cabeça coberta por farto cabelo extraordinariamente branco. O capitão Rebelo, ao avistá-los, ficou momentaneamente imobilizado. Depois, recompondo-se da surpresa gritou:
-         Hei, quem são vocês?
         Como resposta, apenas o homem de azul levantou a mão direita em jeito de saudação. Seguidamente os três homens viraram costas e internaram-se na compactes da floresta.
-         Vamos atrás deles. Tinham ar de nórdicos. Tenho de saber o que fazem aqui.
-         Meu capitão, foram eles que me avisaram da emboscada que nos aguardava.
-         Foram eles? Como sabe você disso?
-         Disseram-mo agora.
-         Disseram-lhe? Mas eles estavam tão longe! E eu estou junto a si e não ouvi nada.
-         Disseram-me telepaticamente- respondeu Álvaro.
         O capitão olhou para o ar enquanto mantinha as mãos na cintura.
-         Senhor alferes Santa Cruz, posso saber porque motivo não foi essa mensagem transmitida à minha pessoa? Caramba, convenhamos, o comandante de companhia ainda sou eu.
-         Não lhe sei responder a essa pergunta meu capitão. Nunca senti nada disto.
-         E eles quem eram?
-         Também não sei meu capitão.
-         Porra, que você há pouco sabia tudo e agora não sabe nada...(em continuação, pág. 80, ex. XXIII)

in VISITADOS

Novembro/1999

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