segunda-feira, 12 de agosto de 2019

ALGUÉM POR MIM OLHOU


          



Num tempo

Que ao tempo

Já não ocupa espaço,

Na pressa do abrigo

Ver surgir,

Vi nascer a minha essência

Vi abrir-se o teu sorrir.

Por mim passou o desejo,

O amor que se fez sem pressa.

Onde estás que te não vejo

Dono da minha existência.

Tive dias de alegria

Alguém por mim olhou,

Uma voz que sempre dizia

Que eu não chegaria

Ao que sou.

Mas a morte um dia veio

Afugentando de mim a vida.

A promessa ficou pelo meio,

Já que tu,

Meu dono,

Depressa foste de partida.

O meu dono é agora a solidão

Não passo de um triste ermo,

Sou sangue sem coração

Sou história a que se pôs termo.

Na ruína do meu ser

Tenho por companhia o luar.

Já me não é possível querer

O amor,

Que outrora em mim teve lugar.

sábado, 3 de agosto de 2019

XXVII JANELA SOBRE O MEU PAÍS- O MÁGICO COLORIDO DAS ÁRVORES


Numa noite de Aveiro, em que nas águas calmas dos canais urbanos da ria, nos sossegados moliceiros navegavam festivais, as árvores enchiam-se de magia, colorindo os aplausos dos homens que ovacionavam a navegação serena dos moliceiros festivaleiros.

segunda-feira, 29 de julho de 2019

OS ANJOS, POR REGRA, NÃO COSTUMAM TER IDENTIDADE


- Vitorino de Lourenço Fernando- releu o advogado- tem semelhanças.

- Decerto que ao escrever um falso nome, o Vitorino arriscou. O outro talvez não soubesse o nome certo do morgado ou este testou a sua capacidade de leitura. Depois vêm as delimitações que estão trocadas com os respectivos pontos cardeais.

- Sabe senhor padre, em tribunal este documento pode facilmente ser destituído de veracidade. Afinal, nunca um Vitorino de Lourenço Fernando foi proprietário da herdade Vila de Ló. Como tal nunca poderia vender o que nunca foi seu. E não nos podemos esquecer da possível relação existente entre a data e a base do armário.

- Eu estou cheio de esperança e expectativa. Neste momento quase que consigo sentir a proximidade de uma Alfeizerão ainda monárquica. Mas toda esta esperança se me aperta no peito numa manifestação de amargura, ao sentir que o Vitorino morreu a pedir-me ajuda e a desistir de Deus.

- Diz isso por causa da última frase do texto- “sem fé”?

- Exactamente.

- Ora senhor padre, eu que não conheci o senhor morgado, estou a detectar a subtileza. O texto não começa com a frase - “sob minha fé?” Pois se ele escreveu “sem fé”, é o mesmo que dizer que a venda da herdade é uma mentira.

- Ò homem, que a tristeza me atrofiou a inteligência. Mas é isso mesmo. Deus lhe pague por esta misericórdia que me acabou de fazer. Até respiro melhor. Com a ajuda que Deus enviou de dois lados, estou certo de que a identidade perdida dos Lourena Fernandes voltará a florescer aqui, na sua terra.

- A dupla ajuda divina! Eu... e o anjo- disse Américo ironicamente.

- Sim, o senhor doutor e um anjo.

- Os anjos, por regra, não costumam ter identidade- disse Américo ironicamente.

- E este não foge à regra. Mas, almoçados que estamos, não quererá o senhor doutor visitar a minha humilde capela, ler o assento de baptismo dos dois gémeos? Penso que lá está a prova em como eles são filhos do morgado Vitorino.

- Pois então não percamos tempo - respondeu Américo - ainda hoje tenho doze léguas para percorrer e um rapazinho para conhecer. Estou deveras curioso.

         E os dois homens atravessaram aquele início de tarde de Dezembro, onde a esperança renascia sob um tépido sorriso do sol…(em continuação,ex. LVI)

in Quando Um Anjo Peca

sábado, 20 de julho de 2019

HÁ 50 ANOS, O MIÚDO DE TREZE ANOS QUE SOUBE ESPERAR PELA APÓLO 11 NA LUA, NA TELEVISÃO


Nesse ano de 1969 a Nasa, nos Estados Unidos, lançou-se em força para o espaço, com o programa Apólo. Acho que a meio de Julho desse ano foi lançada para o espaço a Missão Apólo 11, cujo objectivo era o de levar dois astronautas ao solo lunar, ao «mar da tranquilidade». E o homem chegou à lua nesse mês de Julho de 1969. Lá em casa ninguém demonstrou grande entusiasmo por seguir em directo a emissão, pelo que à hora normal toda a família se foi deitar. Mas eu não conseguia dormir. O homem ia poisar na lua, isso ia dar em directo na televisão, e eu não iria ver? Já nessa época, apenas com treze anos, eu era apaixonado pelos feitos do homem e toda essa carga emocional que me suscitam os grandes actos. E convictamente decidi enfrentar todos os riscos.

Era uma noite de verão, uma característica noite de verão em Coimbra, com imenso calor. Da janela aberta da sala chegavam-me os sons dos grilos que cantavam à lua (que nessa noite tinha intrusos), grilos que se encontravam pelas tocas nos terrenos baldios que rodeavam aquela pequena casa, encarrapitada lá no alto. Comigo estava o meu gato, preto e branco, o «Corredor», que dormia comigo. Acho que verdadeiramente era o meu grande amigo naquela fortaleza. E perto das duas horas da manhã, hora marcada para se dar início à emissão, eu liguei a televisão, esse acto criminoso e hediondo. Mas fi-lo, por amor à ciência, e respeito pelos homens que arriscavam a vida para que a humanidade progredisse. A televisão estava num som quase imperceptível. E então, no televisor surgiu, no estúdio, o jornalista José Mensurado, dando algumas explicações. Explicou, por exemplo, que a nave «mãe» se encontrava em órbita lunar, sendo apenas tripulada por um astronauta- Michael Collins, enquanto que os outros dois seus companheiros, Edwin Aldrin e Neil Armstrong, tinham entrado num módulo lunar, que tinha estado acoplado à nave mãe e que brevemente poisaria no solo lunar. Mas que tremenda expectativa. Havia lá alguma ordem «obscuriana» que naquele momento me fizesse afastar do televisor a preto e branco?!

E depois a transmissão, há cinquenta anos, conseguiu transmitir em directo o módulo lunar a poisar. É claro que tudo decorria muito lentamente. Desde que o módulo lunar poisou (parecia uma aranha), até a porta se abrir, decorreu uma eternidade. E eu, de vez em quando, ia à janela, e observava intensamente a lua, que estava muito brilhante nessa noite, e tentava conseguir ver um pontinho pequenino, que me conseguisse localizar os meus heróis na dimensão do pequeno planeta.

E depois aquele momento extraordinário de ver o Neil Armstrong assomar à escotilha do módulo lunar, completamente envolto naquele fato espacial complicadíssimo, com imagens da lua reflectidas no visor do excepcional capacete, e começar a descer as pequenas escadas. E eu com treze anos reparei, e memorizei, aquela breve hesitação do Neil Armstrong com o pé direito, retirado do degrau e dirigindo-o em direcção ao solo lunar, quando o tinha a breves centímetros do solo parou o movimento, e por dois ou três segundos manteve o pé suspenso, para seguidamente o poisar com enorme precaução. E seguidamente, ao retirar as mãos dos corrimões das escadas metálicas, deixando de ter contacto físico com o módulo lunar, ao dar o seu primeiro passo, ter dito a fabulosa frase: «este é um pequeno passo para o homem, um enorme salto para a humanidade». Esta, talvez a frase mais célebre de toda a história da humanidade, desde que a humanidade escreve, e eu vi-a a ser proferida pela primeira vez, pelo seu autor, o astronauta Neil Armstrong, por volta das três da manhã do dia 20 de Julho de 1969…na lua.

in Prosas Pelas Janelas da Vida

sexta-feira, 12 de julho de 2019

NOTAS AMADORAS DE UMA HISTÓRIA QUE TAMBÉM É MINHA- 1189, D. SANCHO I REI DE PORTUGAL E DOS ALGARVES


D. Sancho I, o nosso segundo rei, dando continuidade à acção do seu pai D. Afonso Henriques, preocupou-se não só em povoar as terras de fronteira, mas também dar seguimento à reconquista cristã, alargando assim, com as terras conquistadas aos mouros, o território português. Nesse sentido começou por doar Almada, Palmela e Alcácer do Sal à Ordem de Santiago, uma ordem que tal como a Ordem do Templo, era formada por frades guerreiros. As ordens militares eram disciplinadas e estavam apetrechadas de bom armamento, condições fundamentais para enfrentar a cavalaria muçulmana. Em 1189, D. Sancho I, valendo-se da passagem de uma armada de cruzados alemães e dinamarqueses pelo porto de Lisboa, pediu-lhes auxílio, tendo assim conquistado a costa algarvia, derrotando as tropas islâmicas que ocupavam os castelos de Alvor, Silves e Albufeira.

            A partir dessa conquista D. Sancho I passou a intitular-se rei de Portugal e dos Algarves.

            Começava a definir-se no mapa da Península Ibérica o desenho do actual território português.

quarta-feira, 26 de junho de 2019

UM ENIGMA NO TEXTO DE UM DOCUMENTO


...Américo Afonso, ao ver as lágrimas romperem dos olhos do vigário de Alfeizerão, ficou constrangido, pelo que tentou dar a perceber que não vira tais lágrimas.

- Não é o padre que chora senhor doutor. É o homem, o protector, quase o pai do infeliz que escreveu estas linhas. Pobre do meu Vitorino. Quanto não terá sofrido ao escrever estas palavras. Mas aqui está tudo explicado. Ele foi mesmo forçado a escrever este documento.

- Eu também estou convencido disso - disse finalmente Américo Afonso - mas qual a maneira de provar a mentira?

- Senhor doutor, o documento fala por si. Começa logo pela data. No dia quatro de Outubro de 1910, dia anterior à implantação da república, eu almocei na herdade e passei lá o resto da tarde. Não vi por ali ninguém estranho. Nos dias seguintes ao cinco de Outubro fui à herdade e não notei nada de anormal. Aquela data é terrivelmente intencional e traduz uma mensagem.

- E onde se encontra essa mensagem para poder ser compreendida? - perguntou o advogado.

- É um enigma, mas reparou no despropósito da alusão ao armário dos livros?

- Não me passou despercebida.

- Pois é senhor doutor, a data falseada e o armário bem que podem estar relacionados. É bem possível que a mente humana, perante uma ameaça mortal, se torne arguta de modo a desmistificar a mentira, caso essa mentira seja a razão do perigo.

- E que hajam pessoas perspicazes, com capacidade para entenderem a mensagem - disse Américo.

- Sim, talvez, mas conhecendo o Vitorino como conheci, não é difícil detectar os segredos que existem neste documento. Estou perfeitamente convencido de que enquanto decorria a redacção deste texto, o Vitorino se deve ter apercebido de que o Barreto Raposo não sabia ler.

- E ele não sabe ler?- perguntou o advogado.

- Não.

- Já o confrontou com alguma leitura?

- E é preciso senhor doutor? Numa paróquia como é Alfeizerão, um padre conhece todas as virtudes e defeitos, capacidades e inabilidades dos seus paroquianos. Repare bem no texto. No fim foge por completo à intenção para que foi escrito. O Vitorino escreveu aquelas palavras perfeitamente confiante de que o outro não detectaria o engano. E pelos vistos não detectou.

- E o funcionário da conservatória?- perguntou Américo Afonso.

- Esse já estava bem comprado. Pouco ou nada se preocupou com o que estava escrito no texto. Foi fazer uma escritura bem apressada, antes que o país voltasse à normalidade.

- Que enorme injustiça se vive nesta terra- disse Américo Afonso fixando a folha de papel branca, finalmente se apercebendo da real dimensão daquela injustiça, já com uma existência de doze enganosos anos.

- O senhor doutor conseguiria defender a causa do Barreto Raposo?

-  Não senhor padre. Para abraçar uma causa eu tenho de ter fortes indícios de que defendo quem carece de justiça. O direito está ao serviço dos homens, mas só pela razão eu me bato nas barras dos tribunais. Mas diga-me senhor padre José Soares, vê no documento algo mais que nos possa servir para defendermos a causa do pequeno... dos pequenos, dos gémeos?

- Claro - disse o padre peremptoriamente- o morgado chamava-se Vitorino de Lourena Fernandes e não o nome que aí está escrito…(em continuação, ex. LV)

in Quando Um Anjo Peca

terça-feira, 11 de junho de 2019

48 NARRAÇÕES EM FERIDA DA GUERRA DO ULTRAMAR


Acabei de ler um livro que Portugal deveria ler. E devê-lo-ia fazer por uma questão histórica, em homenagem à memória dos dez mil combatentes portugueses que deram a vida na guerra do ultramar, e por respeito ao sofrimento dos 900 000 que sobreviveram, mas muitos deles que ainda fazem parte da nossa sociedade actual, sofrendo traumas psicológicos e físicos que os marcaram para toda a vida. Foram homens enviados a defender um império colonial de 500 anos, moribundo, numa guerra sem sentido, apenas e só por lealdade à Pátria. Se há necessidade de atribuir culpas, que o seja à política e aos políticos, já que, bem vistas as coisas, foram eles, capitães de Abril, homens que também combateram no ultramar, os primeiros obreiros da liberdade.

O Livro tem por título «Declarações de Guerra», da autoria do psicólogo Vasco Luís Curado, e é uma compilação de 48 testemunhos de combatentes do ultramar, sofridos testemunhos, do antes, o durante e o depois do ultramar. Obviamente que o autor não identifica os seus doentes. No final de cada testemunho limita-se a dizer qual o posto e a arma.

São quarenta e oito declarações de oficiais milicianos, sargentos, furriéis, 1ºs cabos e soldados, servindo nos rangers, fuzileiros, pára-quedistas, comandos e tropa normal.

Há passagens em que me vieram as lágrimas aos olhos. Numa, que não esqueci, um soldado comando diz a dado passo, que numa operação, que correu muito mal, no meio do mato, o seu amigo Valter morreu-lhe nos braços e aí ele sentiu o seu corpo ficar dormente. Foi o espirito do Valter a entrar no seu corpo. Cerca de vinte anos depois, em 1993, quando em Lisboa inauguraram o monumento aos dez mil combatentes do ultramar mortos em combate, onde se encontram inscritos os nomes de todos os que tombaram, esse antigo soldado comando dirigiu-se ao monumento e foi em busca do nome do seu amigo Valter. Quando o encontrou voltou a sentir o seu corpo a ficar dormente. Foi o espirito do Valter que saiu do seu corpo e finalmente se libertou.

Termino com a citação do final do penúltimo testemunho:

«Fomos os combatentes que andaram a lutar pela pátria nas colónias ultramarinas. Agora somos desconhecidos. Já ninguém nos reconhece. Não somos ninguém, não interessamos à sociedade, só éramos bons quando andávamos a bater com as costas para sacrificar as nossas vidas em defesa de todos. Já passámos à história. Nunca mais esqueceremos aqueles dias de terror. Todos nós ficámos atormentados para o resto das nossas vidas. Deus nos abençoe.»

Soldado caçador especial