sábado, 11 de outubro de 2008

SE O CÉU DESCESSE AO MAR...


Perdi-me! A falta de orientação tem vindo a aumentar em mim. É como se eu fosse uma bússola, cujo permanente uso a tenha desgastado, até que chegou aquele dia...a bússola perdeu o norte. E eu saí da minha história.
Eu deveria contar que isso, mais cedo ou mais tarde, viesse a acontecer. Mas é muito difícil aceitar-se o acumular dos anos...principalmente eu!
Nasci em 1902. Já levo 106 anos de criação. Já tenho idade para ter juízo e deixar-me estar sossegado no meu éden. Mas a minha natureza é esta.
Perdido, deveria sentir-me, no mínimo, deslocado. Mas não! Estou perfeitamente familiarizado com o meio que me rodeia.
É que no meu caminhar sem rumo, vim parar a um porto. Um porto de mar. Fui conduzido para ele por uma brisa suave. O cheiro a mar inundou-me as narinas. Embora fosse de noite, ao longe eu vi luz espelhada na água mansa de um mar que eu não conheço. Aproximei-me rapidamente e fiquei extasiado. Á minha frente, três veleiros resplandecentes de luz, como que saídos do pincel de artista de profunda alma, seduziam-me, encantavam-me...dominaram-me.
Estava feliz, porque afinal, ao fim de tanto tempo, tinha encontrado a minha história.
- Encontrei-a, não encontrei?- perguntei eu, ansiosamente, à brisa que me fazia companhia.
- Não, não encontraste- respondeu-me a brisa, tristemente.
- Não? Mas então, aquela maravilha que vejo daqui, aqueles três veleiros, maravilhosamente iluminados, sobressaindo na neblina ligeira de uma noite escura, como uma visão celestial, não é um quadro da minha história?
- Não, meu amigo. Aquela maravilhosa visão não pertence à Terra do Nunca. Ali é um porto de Portugal.
Já não tenho forças para continuar a busca da minha história. Mas não faz mal, pois sendo verdade o que diz a minha amiga brisa, que aqui se chama Portugal, é este país suficientemente belo para nele eu me sentir como se na minha história estivesse.
Se virem por aí a Wendy ou a Sininho, digam-me.
Foi pena não haver nenhum artista, que ali estivesse e para sempre captasse a imagem que me tornou feliz: Os três veleiros, que do interior da noite, envoltos numa luminosidade cuja proveniência desconheço, me chamaram e me acolheram.
Eu vivo agora nessa imagem, como se ainda vivesse na Terra do Nunca.

Peter Pan

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