quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

PROMESSAS...APENAS PROMESSAS, JÁ QUE ANGOLA É UMA CERTEZA

...A tarde foi-se escoando. A pouco e pouco a sala ficou vazia. Depois de fortes abraços, molhados por lágrimas de dúvida sobre o destino daquele bom amigo, que a maldita guerra chamava, Álvaro e Catarina ficaram sós. Os próprios pais de Álvaro saíram para poderem proporcionar aos dois namorados alguns momentos de intimidade. Álvaro, apoiando os cotovelos no parapeito de uma das janelas da sala, fumava um cigarro e observava o horizonte, encontrando-se demasiado deprimido para poder falar, agora que a sala estava em silêncio. Catarina passava os olhos pelos inúmeros discos, que formavam uma pilha desordenada. Ela quebrou o silêncio.
- O Demis Roussous è o meu cantor preferido.
- Porquê?- perguntou Álvaro.
- Porque è belo, è suave, è melódico, è humano, e através dele pude, abraçada a ti, viver alguns minutos incríveis. Não vou mais esquecer aquela canção...- e chorando correu para os braços de Álvaro.
- Então Catarina...minha loirinha, onde está a tua coragem?- perguntava Álvaro, que com a cara levemente apoiada na cabeça de Catarina, via possíveis imagens de guerra, onde o vermelho do sangue se misturava com o extraordinário verde de uma vegetação luxuriante. De coração apertado afastou-a de si e agarrando-lhe os braços disse- porquê essas lágrimas Catarina? Choras por eu me ir afastar de ti ou choras com medo de me perderes?
- Álvaro, por amor de Deus não digas isso.
- Então minha querida, por amor de Deus te peço que não chores. Em todas as pessoas e especialmente em ti, o que eu preciso de ver é um sorriso de confiança e de esperança. Lágrimas não. Essas só escurecem o meu horizonte.
- Desculpa Álvaro, foi uma pieguice. Chora-se por tanta coisa. Chora-se às vezes por coisas sem importância. É evidente que chorei apenas por já sentir saudades tuas. Se calhar, durante vinte e quatro meses não te vou ver. È muito tempo. Apenas chorei por isso.
Álvaro sorriu e acariciando com as mãos as faces de Catarina disse:
- Desculpa minha loirinha. Fui um pouco rude. São os nervos. Não posso negar que estou um pouco apreensivo, mas acho que é natural.
- Claro que é natural- dizia Catarina enquanto o beijava nos lábios- tu não vais propriamente para uma festa. Ninguém põe cobro à guerra! Há quantos anos existe guerra no Ultramar?
- Começou em 1961. Já passaram doze anos.
- Caramba, ou a ganham ou a perdem, mas manter-se a situação assim indefinidamente...
- É o preço do colonialismo. Os povos autóctones evoluíram um pouco, já conseguem pensar em independência. Além dessa evolução, há que contar com o apoio que recebem de forças externas, que no fundo apenas querem suceder a nós, portugueses, à frente dos destinos das colónias. Graças a esses apoios externos, a guerra tem-se arrastado por todos estes anos e está para durar.
- Achas bem ou mal ires combater os pretos que querem a independência da sua terra?
- Se eu digo que não está certo ir combatê-los, sinto trair a Pátria. Se eu digo que está certo combatê-los, sinto que não gostaria de ver os espanhóis entrarem pelo meu país dentro e subjugarem a minha vontade e a minha liberdade. Mas depois penso que toda esta situação começou há cerca de quinhentos anos. África foi colonizada pela Europa. De então para cá milhões de brancos são tão africanos como os negros descendentes daquelas primitivas e remotas tribos. No contexto actual, não consigo sentir outra coisa que não seja responder afirmativamente à ajuda que o país me pede.
- Que o país te impõe...- corrigiu Catarina.
- Prefiro sentir que o país me pede ajuda. Mas, esta conversa está demasiado política. As paredes têm ouvidos e a Pide chega a todo o lado. Esqueçamos agora a guerra e pensemos em nós. Quando olho para ti, como o faço agora, percebo que me vai ser muito difícil suportar a tua ausência. Escreves-me sempre está bem?
- Vou-te escrever todos os dias meu amor. Se calhar até mais do que uma vez por dia. Que mais me resta fazer senão tentar estar em permanente contacto contigo?
- E eu, minha loirinha, nem sempre terei tempo para te escrever, mas ocuparás por completo o meu coração e a minha mente. E hei-de ver se através de cartas conseguirei transportar África até junto de ti.
- Mas não te esqueças de mandar também o teu amor.
- Juro que não, minha loirinha. Hei-de te enviar um amor ardente, inflamado pela saudade e pelo calor tropical. Mas tentarei revelar-te também as maravilhas naturais de Angola, que eu penso existirem, porque sei que és uma óptima leitora.
- Podes daqui levar alguns livros para os eventuais momentos de ócio.
- Já pensei nisso, mas decidi não levar nenhum livro. O meu espírito vai estar demasiadamente ocupado e preocupado com outras coisas, para que possa ter serenidade, pedida a uma boa leitura. Mas tu podes levar todos os livros que eu aí tenho. Lê-os por mim. Cada livro que tenhas lido terão sido um ou dois meses que passaram. Manda-me dizer quais os livros que estás a ler, quando começas e quando acabas, está bem?
- Prometo-te meu querido.
- Vamos então ao escritório do meu pai. Os livros estão lá arrumados...(em continuação- ex. XVI- pág. 47)

in VISITADOS

Novembro/1999

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