sábado, 27 de fevereiro de 2010

ABRILADA- CONSPIRAÇÃO DE UMA RAINHA

...Na universidade de Coimbra foi uma imensa alegria quando se soube que, nesse ano de 1820, o general Beresford, ao regressar do Brasil, fora impedido de desembarcar por militares revoltosos, que oriundos do Porto, marcharam sobre Lisboa, desafiando assim o regime absoluto inglês. O general Beresford não voltou a pisar solo português. O liberalismo ganhava consistência, até porque já tinha ganhado um mártir. Três anos antes, em 1817, fora descoberta uma conspiração, que pretendia o afastamento dos ingleses do controle militar do nosso exército. O cabecilha dessa conspiração, o general Gomes Freire de Andrade, foi executado nesse mesmo ano por enforcamento. Era imperioso que a coroa regressasse a Portugal, pois o reino queria andar para a frente, na senda de maior justiça social, o que se tornava difícil com o rei ausente. Assim, sob pressão do governo metropolitano de Lisboa, D. João VI, que abalara príncipe e regressava rei, retornou a Portugal em 1821, onde jurou as bases da Constituição, iniciando-se de imediato o exercício da monarquia constitucional.
O rei regressara a Portugal, trazendo consigo o seu filho mais novo, o infante D. Miguel, enquanto o filho mais velho, o príncipe D. Pedro, ficou no governo da colónia brasileira.
A política é também feita de oportunidades, e não se digna a respeitar os mais elementares preceitos de fidelidade que os filhos deverão ter para com os pais; e D. João VI foi um pai e um marido completamente desrespeitado pelos seus filhos e pela sua esposa, a rainha D. Carlota Joaquina. E tudo isso apenas em nome da política! D. Pedro, havia o seu pai abandonado o Brasil há dois meses, tornou aquela colónia país independente, no que ficou célebre « O Grito do Ipiranga», tornando-se ele próprio o seu primeiro imperador, com o título de D. Pedro I do Brasil. Aguardar-se-ia outra coisa? Fazia sentido que um país tão frágil economicamente, como o era Portugal, tivesse poder para dominar um Brasil, que em território era imensamente maior?
Nas primeiras duas décadas do século XIX Portugal perdera a cidade de Olivença para os espanhóis, sofrera três humilhantes e devastadoras invasões por parte da França, defendera-se delas com valentia e orgulho nacional, mas empobrecera ainda mais. Comprometera-se com os ingleses, que após o auxílio prestado, exigiam agora contrapartidas, e desgraçadamente acabava de perder a colónia do Brasil, com que contava para combater a paupérrima economia.
Entretanto, em 1822, no dia 23 de Setembro, é promulgada a Constituição Portuguesa que dá a liberdade de expressão aos cidadãos. Portugal afastava-se assim do regime absoluto. A Constituição foi a génese de todos os conflitos que estavam para chegar, muito embora, fosse, concomitantemente, um bálsamo para a repressão que até ali fora exercida sobre o povo.
Pois é, a política é sempre um pau de dois bicos.
E os problemas não se fizeram esperar. Enquanto que o rei D. João VI jurava a constituição, a rainha D. Carlota Joaquina recusou fazê-lo, colocando-se, ela própria, à frente de uma conspiração que devolvesse ao reino o regime absolutista.
Nesse ano de 1822 eu estava a terminar o meu curso de medicina, em Coimbra. Em toda a universidade foi uma enorme alegria o juramento da Constituição por parte de Sua Majestade. E, se porventura, se aguardava a reacção da aristocracia mais conservadora, nunca se imaginou que essa reacção à implementação do liberalismo em Portugal, viesse de onde veio – da própria rainha D. Carlota Joaquina, e do seu filho D. Miguel. Eu, quando soube que, nesse mesmo ano, a rainha conspirava para depor o seu marido do trono e lá fazer sentar o infante D. Miguel, fiquei convicto de que tendo o liberalismo adversários deste calibre, Portugal iria ser invadido de novo, agora não por franceses, mas por portugueses.
Aquela notícia caiu-me bem cá no fundo do meu ser. Portugal de uma guerra civil não se livrava. Mas eu iria ter a minha pacata actividade de médico. A minha guerra seria contra as infecções e os micróbios.
Do lugar em que me encontro e onde escrevo estas linhas, olhando para esse já distante passado, e sendo agora o que sou, sei do poder da força da natureza humana, e o quanto pode alterar o rumo das vidas dos homens.
Os primeiros sinais da guerra civil que o destino colocava em marcha para Portugal, logo se fizeram sentir. Reagindo à conspiração que contra o rei se organizava, nesse ano de 1822, os conspiradores absolutistas foram presos; mas volvidos quatro meses, a 23 de Fevereiro de 1823, uma nova acção antiliberal foi mais uma vez abafada pelo governo do reino, revolta essa liderada pelo general Manuel da Silveira. Era constante a movimentação de tropas de um e de outro lado. O general Manuel da Silveira, Conde de Amarante, fugiu para Espanha, enquanto a coroa confiscava todos os seus bens.
Três meses depois, em 27 de Maio de 1823, teve lugar uma nova investida das forças absolutistas, esta, no entanto, muito mais perigosa do que a anterior, pois voltava a ter como cérebros da conspiração a própria rainha D. Carlota Joaquina e o seu filho, o infante D. Miguel. Dado o rei ter cedido a este contra-ataque, por parte da sua esposa e do seu filho mais novo, e porque foi perpetrado em Vila Franca de Xira, ficou conhecido para a história como a Vilafrancada.
Não sei que pensamentos, que sentimentos terão passado pela mente e coração do rei D. João VI, mas decerto que agradáveis não terão sido. Com poderia eu, conduzindo os destinos da minha casa, fazê-lo convictamente, sabendo que estava a ir contra a vontade da minha mulher e do meu filho? É certo que um rei, ao conduzir os destinos da sua casa, conduz também o destino de um povo; mas também não é menos verdade que aquela esposa era também rainha e que o jovem filho era infante!
Ao rei talvez lhe tenha faltado convicção política no liberalismo, quem sabe se até força de carácter. O que é certo foi que perante a Vilafrancada D. João VI aboliu a Constituição de 1822, que jurara, e atribuiu o comando do exército ao infante D. Miguel. O absolutismo regressava a Portugal. O rei, que fora aclamado como o salvador do povo, tornava-se agora no seu principal repressor… mas assegurava o seu lugar no trono. Que importância tinha o povo?! Volvidos que são dois séculos, terá o povo adquirido a importância a que diz ter direito?
A ambição terrena leva muitas vezes à perdição. No lugar em que me encontro é convicção que a riqueza aí na terra produz muita pobreza aqui, pois ser dono da riqueza material é a maior prova à elevação da alma; e quantas riquezas existem que não têm produzido qualquer elevação espiritual.
D. Miguel já se mentalizara de que o trono de Portugal lhe havia de pertencer; por isso, mesmo com o pai a ceder ao absolutismo, sem no entanto ter abdicado do trono, o infante, com o apoio da sua mãe, continuava a conspirar. O seu objectivo não era agora o regresso do regime absoluto, que esse já o alcançara, mas o próprio trono. E existiam planos para que o rei fosse preso em Vila Viçosa. Essa conspiração foi descoberta apenas cinco meses depois da Vilafrancada, em 26 de Outubro de 1823. Perante este golpe D. João VI foi brando. Era marido e pai.
Entretanto chegou o ano de 1824. Em Fevereiro desse ano, uma grande ameaça foi feita ao rei, quando o seu conselheiro, o Marquês de Loulé, foi assassinado. Dois meses depois ocorreu o segundo golpe militar absolutista – no dia 30 de Abril de 1824. Ficou conhecido como a Abrilada. O infante D. Miguel não pretendia repor o absolutismo, pois que continuava em vigor, mas somente obrigar o pai a abdicar do trono. As forças de D. Miguel chegaram a prender D. João VI. No entanto o corpo diplomático estrangeiro interveio, pelo que foi possível ao rei refugiar-se num navio inglês ancorado no Tejo. Desse navio, o rei D. João VI, tomou, finalmente, uma atitude: determinou o exílio de D. Miguel e intimidou a rainha D. Carlota Joaquina a que fizesse o mesmo. De novo, a coroa portuguesa, num momento politicamente crítico, era auxiliada por Inglaterra, a fim de manter a soberania do rei.
E foi neste cenário politico, terrivelmente conturbado, que eu nasci, me criei na pacatez da quinta dos meus pais, Malhal de Sula, fui estudar para Coimbra sob a orientação do mui sábio, venerando e afável frei Lourenço de Santa Cruz, e me formei como médico, na universidade de Coimbra. Saí doutor em 1823, o doutor Joaquim Passos Lopes...(em continuação- pág. 14, ex. IV)

in ALMA DE LIBERAL

Junho/2009

5 comentários:

António disse...

Mais um excelente texto.

Sândrio cândido. disse...

O celebre grito do impiranga é por nós lçembrado até hoje como simbolo da liberdade brasileira...posso está errado mas a situação politica brasileira não transmite uma liberade politica para nós cidadãos brasileiros...

quanto a seu belissimo texto, com certeza nos faz querer pensar e estudar a historia de portugal...um pais lindo.

com saudações.

Poeta do Penedo disse...

Amigo António
é com alegria e entusiasmo que o volto a receber, após esta longa ausência. Esta pequena célula da blogosfera já sentia falta do seu bom humor e da sua amizade. Obrigado pelo simpático comentário.
Um abraço.

Poeta do Penedo disse...

Caro poeta do inverno
Toda a história de Portugal é riquissima, em que, a partir de 1500 até 1822, o Brasil faz parte. O Brasil, esse país imenso e maravilhoso, onde a liberdade foi esquecida, tal como aqui, onde se lutou pela liberdade, tal como aqui. Tenho muito orgulho por saber que na imensa alma brasileira, existe uma pequena centelha lusitana. Tal como em 1143, ou em 1640, em Portugal, também em 1822 o Brasil deu o seu grito de independência. Ipiranga é um nome forte.
Com amizade

MM disse...

Caro Poeta do Penedo,

Hoje vivemos as conspirações da democracia, através dos jornais e de jogadas de bastidores com a justiça e o poder económico, mas este texto vem mostrar que a monarquia viveu também ela momentos conspirativos, desta feita entre a própria família real.

Em ambos os casos, parece-me que o poder de facto cega.

Até breve.
Marcelo Melo
www.3vial.blogspot.com
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