quinta-feira, 1 de abril de 2010

COIMBRA É SEMPRE UM ENCANTO...

- ...Um homem levar com esta chuva em cima, não deve ser pêra doce- disse o alferes Santa Cruz.
- Então homem, chuva civil não molha militar- disse sorrindo o alferes Mendes.
- Pois è, só que esta chuva de civil nada tem. Ela è bem militar, è uma chuva guerreira.
- Anda daí pá, vamos beber uma cerveja. Deixa a chuva cair, guarda por momentos as recordações da tua Catarina, e entrega-te de alma e coração à felicidade infeliz de um dia em paz, no meio da guerra. Somos da infantaria não somos? Pois vamos beber em memória do nosso patrono, o Condestável D. Nuno Álvares Pereira, ao D. João I e aos duendes maus desta imensa floresta onde estamos mergulhados.
- Qual è o teu primeiro nome?- perguntou o alferes Santa Cruz.
- Chamo-me Rui e sou de Coimbra. E o teu?
- O meu?
- Sim, o teu primeiro nome, qual è?
- Álvaro, e tal como tu, também nasci em Coimbra.
- Ai sim, então vamos também beber à saúde das árvores do nosso querido choupal, que além de serem de mais confiança do que estas, não nos cagam com merda de macaco.
E os dois alferes reentraram na messe dos oficiais. Bebiam para enganar os sentidos, distrair os sentimentos, solidários na sua juventude prisioneira. Aquela messe improvisada e tosca, era o local de Angola, onde os dois, através de recordações, mais próximos de casa se sentiam. Sob o barulho intenso da chuva que se abatia sobre o telhado de chapas de zinco da messe de oficiais, Álvaro e Rui, nascidos nos ecos do tempo de uma Aeminium esquecida, fortaleciam laços de amizade, enquanto se transportavam até Coimbra, deambulando por entre recordações da Académica, de bailes no Ateneu, das salutares bebedeiras construídas na estudantil tasca «Cantinho do Céu» à Rua Corpo de Deus, dos divinos manjares populares servidos pela figura castiça do «Zé Manel dos Ossos», na sua típica casa de pasto à Rua da Sota, de fugidios romances sofregamente consumidos no Penedo da Saudade, das simples e saudosas pevides do «Pianinho», do Liceu D. João III e as cómicas aulas de educação musical vividas com os professores «Cabeça de Apito» e «Porque Burriais», das fabulosas aulas de ciências com o professor «Tatão», das enfadonhas aulas de desenho com o professor «Certinho», da sempre deliciosa professora veterana, de português, a professora D. Lucinda Gomes.
Coimbra do Mondego, tão perto estava do rio Cuango...(em continuação- pág. 58, ex. XI)

in VISITADOS

Novembro/1999

2 comentários:

MM disse...

Caro Poeta do Penedo,

A minha experiência de residência num país estrangeiro (Brasil) que durou 3 anos, permitiu-me perceber que quaisquer pontos em comum quando se está sozinho e num ambiente remoto, constitui uma força aglutinadora das pessoas em prol de um sentido de pertença.

Quero com isto dizer que o Álvaro e o Rui de que nos falou, reflectem muito do sentimento vivido pelos emigrantes, quer estejam em França, no Brasil ou nos EUA.

Amistosamente,

Marcelo Melo

Poeta do Penedo disse...

caro Marcelo Melo
a partilha de um ambiente estranho é, sem dúvida, um factor forte para cimentar amizades; mas a partilha de um ambiente hostil, como o vivido pelos nossos dois amigos, transforma a amizade em laços fraternais. O emigrante português enfrentou o trabalho num ambiente desconhecido. O soldado português do ultramar enfrentou a morte.
Com amizade