terça-feira, 13 de abril de 2010

FRENTE-A-FRENTE

...Carlos Conde para ali ficara olhando o vazio. Sem energia, observava a irmã a entrar no carro e abalar. Como fora possível a sua única irmã vir acusar o seu filho de algo tão grave, como aquilo que ela descrevera? Mas por outro lado, ela tinha a noção perfeita do que estava a dizer. Não tinha conhecimento de que a sua irmã sofresse de alienação de qualquer espécie. Seria a viuvez a provocar-lhe alucinações? Não, a sua irmã sempre fora uma boa pessoa e muito ponderada. Ali estava um dilema: viver com a vontade de que a sua irmã não tivesse razão, mas se assim fosse não poderia de maneira nenhuma relacionar-se com ela amigavelmente, ou então concluía que a sua irmã tinha mesmo razão e então havia de tomar uma atitude dura e drástica para com o seu filho. E se o Narciso o tivesse feito? Seria possível um rapaz de dezassete anos ter a capacidade de camuflar do pai, de uma forma tão persuasiva, a sua má índole?
Vestiu um casaco e saiu. Foi à empresa onde trabalhava, observar como decorria a produção de um novo material. Depois correu a cidade de lés a lés, mas não via a hora de poder ter o seu filho Narciso frente a frente, olhá-lo nos olhos e poder neles ler o engano da sua irmã Silvina.
Anoitecia quando o engenheiro Carlos Conde entrou de novo em casa. Toda a família já lá se encontrava. Sentiu o coração palpitar-lhe na garganta. Era muito desagradável ter que questionar um filho sobre uma matéria como aquela, mas tinha de ser feito. Era preciso saber de que lado estava a razão e a culpa.
De rosto fechado pelo aperto que sentia no coração, perguntou à esposa:
- O Narciso está em casa?
- Está.
- Diz-lhe para ir ter ao meu escritório. Quero conversar a sós com ele.
- Mas o que se passa, Carlos?
- Não sei se se passa alguma coisa. È isso que eu quero descobrir.
E dizendo isto, Carlos Conde dirigiu-se para o escritório, pensativo e em silêncio.
Momentos depois Narciso Conde ali entrava. Tinha a certeza de que a velha havia falado com o pai. Tinha de manter a cabeça fria, pois não havia maneira de o poderem acusar.
Impondo a si próprio a aparência mais natural e inocente que conseguiu ir buscar ao seu intimo, entrando no escritório, fixando o pai, disse:
- Queres falar comigo pai?
- Quero. Fecha a porta.
- Eh pá, è coisa importante- disse Narciso tentando dar à situação um ar de brincadeira.
- Esta tarde estive aqui sozinho e pensei um pouco em ti- começou o engenheiro Carlos Conde, recostando-se às costas almofadadas da cadeira- perguntei-me a mim próprio que tipo de homem será o meu filho Narciso?!
- Pai, sou um homem normal. Tenho horas para estudar, tenho horas para me divertir...
- Sim, isso eu sei Narciso. O que eu quero saber è se tu és uma pessoa considerada na cidade. E se te pergunto isto, è porque acho que cada um de nós deve zelar por ser um bom cidadão, e muitas mais responsabilidades nessa matéria têm aqueles, cujo nome herdaram de uma personalidade, como è o teu e o meu caso. O teu avô, o doutor Conde, foi um médico querido de todos. Desde o mais humilde ao mais rico, todos o estimavam. O teu avô foi um verdadeiro médico de província. Lembro-me de que quando eu tinha dez anos de idade, o meu pai percorria todas as freguesias das redondezas, no seu impecável Vauxhall de 1932, prestando assistência aos inúmeros doentes que solicitavam os seus serviços. E fazia-o fosse de dia ou de noite. Aos menos afortunados não lhes cobrava nada pelo domicílio e ainda os ajudava na obtenção dos medicamentos. O teu avô era assim. Eu não sou médico, mas sempre me preocupei em honrar o seu nome. Por isso primo pela cordialidade e faço questão em ter amigos, bons amigos. E tu?
- Eu?!- perguntava o rapaz um pouco intrigado.
- Sim, és cordial para com os teus colegas? Estima-los e eles estimam-te?
- Mas è claro pai. Tenho bons amigos. Há só um ou dois...
- Sim...- disse o engenheiro Carlos Conde observando o filho.
- Bem, existem alguns rapazes que têm inveja de mim, por eu ter uma motorizada V5.
- E fazes questão em lhes mostrares que eles não têm uma motorizada como tu?
- Eu... não percebo o que queres dizer.
- Armas-te em bom só porque tens uma motorizada e eles não?
- Oh pai, eu não. A motorizada só me serve de meio de transporte.
- Lembras-te do nome de algum desses teus colegas que te invejam?
- Principalmente um, o Serôdio.
- Quer dizer então que tu e o Serôdio não são amigos!!
- Não, não somos. Mas porquê essas perguntas?
- Porque me vieram aos ouvidos algumas queixas sobre a maneira como procedes com os teus colegas do liceu.
- E quem foi que te fez essas queixas?
- Um professor teu.
- Um professor meu? Pai, isso è um disparate. Porque não dizes logo que foi a tia Silvina?- e dizendo isto, Narciso de imediato se arrependeu de o ter feito...(em continuação- pág. 41- ex. XII)

in FILHOS POBRES DA REVOLTA
Março/2003

4 comentários:

Teresa Fidalgo disse...

Poeta do Penedo,

Já há muito esperavamos pelo desenrolar desta história...:)
Esperto este Carlos Conde, sem dúvida...
Com uma conversa aparentemente fora do tema, lá foi ele descobrir a careca do filho!

É doloroso para um pai deparar-se com a má índole de um filho. Foi muito corajosa a atitude daquele pai, embora entenda que ele não tinha outra hipótese...

Saudações

Poeta do Penedo disse...

Cara Teresa Fidalgo
uma situação destas deve ser, para os pais, um terrível drama. E muitas questões se colocam, logo a começar por se questionarem o que terá sido que fizeram de errado?! Mas quando a árvore nasce torta...
Briosas saudações

Mari Amorim disse...

Amigo poeta,
Vim agradecer-lhe,infelizmente o Rio de Janeiro,neste momento chora sua dor,e choramos com eles,meus vizinhos de Estado.Não sei se há esperança na vida,ou a vida na espera(nça)
O mundo grita!
sua presença é sempre uma imensa alegria.O meu segundo blog anda sentindo sua ausência.
Um Mega abraço verde amarelo:)
Mari

Poeta do Penedo disse...

Cara Mari
Faço votos para que a comunidade atingida pela catástrofe consiga recuperar rapidamente, tanto a nível emocional, mental e psicológico, como a nível material. A humanidade, nesta primeira década do séc. XXI, não se está a sair nada bem com a natureza. Irei fazer uma visita ao seu 2º blog.
Um bom fim de semana.