sábado, 10 de janeiro de 2009

PASSEIO PELAS MINHAS PALAVRAS (no choupal em Coimbra)

...Foi há cinquenta e um anos. Estávamos em Maio de 1945. O nosso país, assim como o mundo em geral, festejava a capitulação da Alemanha nazi, perante a força avassaladora dos Aliados. Mesmo oprimidos que vivíamos sob o jugo fascita, naquele Domingo de sol resplandecente respirámos um pouco de liberdade. Como deve calcular, Coimbra era uma cidade muito mais pequena do que é hoje. O choupal estava muito mais distante do que se encontra actualmente. Bandos de jovens, rapazes e raparigas, sentavam-se sob as sombras dos choupos e a brisa do Mondego. Eu também lá estava, acompanhado pela minha namorada, nessa época a bonita Ana Maria. Eu tinha dezoito anos e ela dezassete. Connosco ia também o meu grande amigo Duarte, o Duarte Silva Amorim. Era um ano mais velho do que eu. Foi um dia deslumbrante...
...Quem percorresse Coimbra naquela época em direcção à Estação Velha, verificava que a área urbana de Coimbra terminava na Rua do Sal. A Estação velha ficava muito distante da cidade propriamente dita. Por isso os serviços camarários asseguravam a ligação até ao coração da cidade, através de uma carreira de eléctricos. Assim, o 2 ligava a Estação velha à Praça 8 de Maio. Foi no 2 que Duarte, Victor e Ana Maria seguiram até ao choupal. Tal como eles, grupos de outros jovens procuravam a quietude dos choupos e a frescura do Mondego, para exteriorizarem toda a alegria pelo final de uma guerra atroz, que enlutou o mundo e ensanguentou a velha Europa.
Estava um domingo soalheiro. A natureza, sufocada que estava com as explosões das bombas e o sofrimento dos homens, comungava da festa humana, e rejubilando de luz, proporcionava a todos um dia celestial, um dos primeiros dias vivido em paz após seis anos de amargura.
Pelo festivo choupal, novos e velhos, ricos e pobres, espalhavam-se sob as sombras daquelas míticas árvores. Naquele dia, quem não se conhecia, de imediato passou a ser amigo. O tapete verdejante do choupal foi coberto por inúmeras toalhas, que nas suas cores brancas, azuis ou vermelhas, suportavam o peso de outros tantos piqueniques.
O Mondego ia espesso. O seu caudal fora significativamente aumentado pelas abundantes chuvas do inverno recente. Junto a um pequeno meandro do rio, sobre um tapete verde de erva rasteira que exalava um perfume primaveril, estava estendida uma toalha branca com quadrados azuis, onde se depositaram algumas lancheiras, embora o lanche fosse o menos importante. Homens e mulheres conversavam alegremente, tentando esquecer as tristezas da guerra, que embora distante, fizera sentir os seus efeitos. Queriam encarar a vida com optimismo, fazendo planos para um futuro mais promissor. Jovens, filhos desses homens e dessas mulheres, exprimiam-se irreverentemente, pulsando de juventude e fogo, em toda a sua essência.
Entre esses jovens encontravam-se o Duarte Silva Amorim e o Victor Santa Cruz. O primeiro tinha dezanove anos de idade e o segundo dezoito. Foi no Liceu D. João III que em 1937 se conheceram. Por razões que eles próprios desconheciam, nasceu entre ambos uma simpatia que veio a ligá-los numa forte amizade. Eram inseparáveis...

in VISITADOS
Novembro/1999

3 comentários:

coração de açúcar disse...

Como vc escreve....lindo.

MM disse...

Caro poeta,

A minha geração não sabe o que é um piquenique ou uma sesta deitado na mata...

Os citadinos de hoje acalentam um subtil desejo de encontrar um local no campo onde possam desfrutar de uma vida como nunca tiveram. A velhice é o motor desse desejo, é ela que faz crescer esse aparentemente improvável desejo de morar no campo.

As merendas de hoje chamam-se vending machines, veja lá!

Saudações,

Marcelo Melo

Paula disse...

Quando se passa por algo horrível (como é uma guerra) mesmo que de longe. Dá-se valor à calmia, sabe-se o que quase se perdeu. Não participámos, mas muitos pais e mães colocaram-se no lugar daqueles que lá estavam. Temeram também pelos seus filhos, pelas suas vidas.
Os piqueniques...
Adoro piqueniques, lembro-me quando ia com os meus pais, tios e primas aos fins de semana. Os fins de semana eram especiais por causa disto.
A geração de hoje perdeu algo muito importante: Olhar os pormenores, dar importância às pequenas coisas...
A geração de hoje é insatisfeita, como Augusto Cury diz, é uma geração que tem o sintoma de pensamento acelerado.