sexta-feira, 6 de novembro de 2009

LARANJAS AMARGAS EM OLIVENÇA

Da minha consulta ao médico galego a que fiz menção no tópico «sopram bons ventos da Galiza», ficou-me o espanto que ele denotou pelo facto dos seus amigos portugueses não demonstrarem qualquer interesse pela questão de Olivença. No entanto, isso não quer dizer que todos os portugueses assim procedam. Ainda hoje Olivença é assunto de conversa em Portugal; ainda hoje é fonte de algum azedume em relação a Espanha, muito embora o governo português considere que Olivença é folclore. Possivelmente é pelo facto de folclorizarmos questões internacionais, que fomos empurrados para a cauda da Europa e de lá não saímos. Ganhámos gosto à «lanterna vermelha» e não há quem nos consiga fazer sentir que estar-se sempre no fim do comboio pode não ser grande ideia. E se porventura alguém surge com um pouco mais de iluminação, é um «bota-abaixismo» que é de fugir.
Corria o ano de 1792 quando a revolução francesa decapitou o rei Luís XVI. Este acto pôs em polvorosa as grandes potências monárquicas europeias, que em uníssono decidiram fazer guerra à jovem república francesa. Nesse sentido a Península Ibérica comungou do sentimento de afronta, pelo que Portugal e Espanha enviaram os seus exércitos para combaterem a barbárie francesa, na que ficou conhecida como a Campanha do Rossilhão...que correu muito mal para espanhóis e portugueses. Durante os três anos seguintes, as batalhas que então aconteceram tiveram sempre como derrotados os Ibéricos.
E porque nessa altura já estava instituída a nacional pasmaceira, o ministro e general espanhol Manuel de Godoy, ao serviço se Suas Majestades os reis espanhóis Carlos V e a rainha Maria Luisa,assinou, em segredo, a paz com os franceses, em 1795, através do Tratado de Basileia. Em resultado desse tratado, o ingénuo governo português viu-se a braços com um gravíssimo problema: estava sózinho em guerra com a França. Portugal tudo fez para fazer a paz, mas Napoleão Bonaparte determinou que a paz apenas seria possível com uma condição: Portugal deveria fechar os seus portos a todos os navios ingleses, exigência que, pela aliança de séculos, era impraticável e foi-o.
Mas que grande Rossilhão arranjámos! A França manteve-se como potência inimiga de Portugal, e vendo que a Inglaterra continuava, impávida e serena, a utilizar os nossos portos, fez com que a Espanha nos invadisse. E assim, Godoy, à frente do exército espanhol, em Maio de 1801, entrou em Portugal pelo Alentejo, tomando algumas localidades, entre elas Olivença. Essa invasão foi plenamente pacífica. Mesmo sem o recurso às armas, Portugal deixava-se invadir. Tempos viriam, que não tardariam, em que os portugueses se iriam tornar em exímios soldados. Espanha fez uma invasão pacífica, porque os reis espanhóis eram pais da rainha portuguesa, à época D. Carlota Joaquina. Manuel Godoy, em demonstração da sua pacifica conquista e lealdade para com os seus soberanos, enviou à coroa de Espanha um ramo de laranjeira, cortado de uma laranjeira alentejana. Esse acto apelidou essa guerra como a guerra das laranjas. Assim ficou conhecida para a história.
Em Junho desse ano de 1801 foi assinada a paz entre os dois países ibéricos, no Tratado de Badajoz, com a obrigação de Portugal fechar os seus portos aos navios ingleses, obrigando-se Espanha a entregar todas as localidades tomadas. Portugal continuou a não fechar os portos aos ingleses e Espanha entregou todas as localidades tomadas, excepto Olivença. Não contente com isso, poucos anos depois uniu-se aos franceses no decurso das invasões francesas a Portugal.
Em 1808, o general inglês Beresford entrou em Olivença, à frente de tropas portuguesas, reconquistando a cidade para a bandeira portuguesa, mas, incompreensivelmente, entregou-a à administração espanhola. Já nessa altura a corte portuguesa se encontrava no Brasil.
Poucos anos depois Napoleão foi, finalmente, derrotado, pelo que capitulou no Tratado de Viena. Nesse Tratado foi reconhecida a nulidade do Tratado de Badajoz, pelo que Olivença deveria ser entregue a Portugal, o que não aconteceu. Por essa altura, Portugal tomou Montevideu, pretendendo com essa conquista fazer uma moeda de troca- Montevideu por Olivença. Aconteceu então a independência do Brasil e Portugal deixou de ser a potência dominante naquela zona do mundo. Naturalmente Montevideu regressou à posse de Espanha...adeus Olivença.
Olivença, hoje Olivenza, conta uma história apenas portuguesa, bem patente nos seus monumentos: um castelo eregido por D. Dinis, uma torre mandada construir por D. João II, o palácio do Conde de Olivença, Rui de Melo, que ostenta um magnífico portal carregado de símbolos portugueses- a Cruz de Cristo, Esferas Armilares e as Cinco Quinas, a Igreja de Santa Maria Madalena, construída por Frei Henrique de Coimbra, o prelado que disse a primeira missa em terras de Santa Cruz. Guarda-se o Foral Manuelino datado de 1510.
Dizemos que o tempo tudo resolve. A experiência diz-nos que esta expressão é muito verdadeira. Se assim é, em relação a Olivença, o tempo já resolveu.
Mas a história, que muito se traduz no que as pedras nos têm para contar, continua a dizer-nos que o que o tempo resolveu, resolveu-o mal.
O meu médico galego disse-me que a língua portuguesa é proibida em Olivença. Se assim for, percebe-se bem porquê.
Quando o corpo não fala a língua da alma, corre-se o risco de perigosas incompatibilidades.

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