domingo, 27 de dezembro de 2009

DA PERSPECTIVA DO ASSALTO AO ASSALTO EM EXECUÇÃO

...- Fico contente por isso. Mas falemos agora um pouco do motivo pelo qual aqui estamos reunidos. Se o meu sobrinho aparecer, o que faremos?
- Eu fico aqui sentado com o jovem moço. A senhora vai para a sua cama. Isto è assunto de homem- opinou o criado negro.
- O Armando tem razão D. Silvina. Se alguém aparecer, irá ter uma boa surpresa.
- Se vocês me fazem esse favor, eu então vou-me deitar. Não sei se conseguirei dormir, logo se verá. Obrigado pelo teu apoio, Serôdio.
- Não tem que agradecer D. Silvina. Apenas faço o que acho que está certo.
- Sim, mas tão jovem e com esse sentido de justiça...
- Fartei-me da arrogância e má educação do seu sobrinho. È só isso.
- Então boa noite- disse D. Silvina, que de imediato abandonou a sala africana.
Com a ausência de D. Silvina, Armando Mapuchi teve o ensejo de, pela primeira vez desde que chegara a Portugal, poder conversar amistosamente com um branco. E foi isso mesmo que aconteceu. Serôdio falou das suas experiências europeias. Armando expôs as suas aventuras africanas. E mais uma aliança ali nasceu. Serôdio sentia-se feliz. A sua aposta em se deslocar àquela casa, deslocação essa feita com tanta relutância, acabou por o premiar com a obtenção de duas almas amigas. Aquele momento havia de vir a ser precioso para a sua vida. Mas era impossível ao jovem Serôdio saber disso.


A casa estava em profundo silêncio. Os pêndulos de um antigo relógio de parede marcavam ritmada e monotonamente a passagem do tempo.
Eram duas horas da madrugada. Na sala africana, mergulhada agora na escuridão, Serôdio e Armando dormitavam, sentados nos enormes sofás. A noite confundia-os com os objectos existentes no grande salão. O cansaço vencera a expectativa de que ambos estavam imbuídos. Mas, naquele momento, sem que se apercebessem disso, não estavam realmente sozinhos. Narciso Conde e os seus três amigos punham em prática aquilo que o colega de Serôdio ouvira na casa de banho do café.
Perfeito conhecedor de toda a casa Lobito de Benguela, Narciso galgara o gradeamento exterior e silenciosamente deslocara-se com o seu grupo para as traseiras da casa, onde sabia existir uma porta que dava para a cave. Maquinando havia muito aquele acto, um dia conseguira apropriar-se de uma de três chaves daquela mesma porta. A sua tia nunca dera pela falta da chave, nem tão pouco o tição que lá trabalhava em casa. Ele sabia que aquela porta quase nunca era utilizada. Por outro lado, a vida pouco ocupada da tia não lhe trazia grandes preocupações de segurança.
Junto à porta, cada um dos rapazes enfiou um capuz de lã preta na cabeça, que lhes dava até ao final do pescoço. Apenas tinha três orifícios: para os olhos e para a boca.
Narciso meteu a chave na fechadura. Com máximo cuidado, tentando fazer o mínimo barulho possível, rodou a chave na fechadura e a porta abriu-se. De imediato os quatro penetraram na cave No interior havia um forte cheiro a bafio. Com uma pequena lanterna Narciso Conde procurou a porta interior que dava acesso à casa propriamente dita. Em busca da tal porta, foi iluminando montes de objectos que ali se foram impregnando de pó: uma cómoda velha, cadeiras muito usadas, duas camas desmontadas cujas peças se amontoavam no chão, uma enorme pilha de jornais velhos e duas bicicletas com os pneus vazios. Finalmente a circunferência luminosa passou pela tal porta. Daí a um instante estavam os quatro no primeiro andar. Pé ante pé, percorreram o longo corredor e finalmente entraram na sala africana. Narciso de imediato se dirigiu para o quadro que representava a caçada ao leão, nas savanas africanas. Nenhum dos quatro dera pelas presenças de Serôdio e Armando, que recostados nos sofás, lentamente entravam cada vez mais num profundo sono.
O quadro que escondia o tão desejado cofre, estava a ser retirado da parede por dois dos rapazes do grupo de Narciso. Ao poisarem-no no chão, não se aperceberam de que um jogo de lanças indígenas se encontravam ali perto, cruzadas e colocadas na vertical, pelo que, com um dos lados da enorme moldura, embateram nas lanças. Com um grande estrépito as armas caíram ao chão. Os momentos que se seguiram foram de grande confusão. Acordados pelo barulho das lanças, Serôdio e Armando saltaram dos sofás, como que espicaçados por um alarme interior.
- Eles já cá estão, eles já cá estão- gritava Serôdio.
Assustados e espavoridos com aquelas inesperadas presenças, os quatro intrusos atropelavam-se uns aos outros, na ânsia de fugirem, enquanto Armando, ainda meio atarantado, tentava desesperadamente encontrar o interruptor da luz.
Passado o momento da surpresa, os intrusos verificaram que se encontravam em vantagem. Embora os olhos estivessem habituados à escuridão, foi um pouco a tactear que tentaram a fuga. Armando barrou-lhes o caminho, pelo que dois deles se envolveram numa luta corpo a corpo com o criado negro. Nesse momento a sala africana foi inundada pela luz. D. Silvina, alertada pelo barulho dos berros de Serôdio e Armando, de imediato acorreu ao salão e ligou a luz num interruptor existente próximo da porta da sala africana, que dava acesso aos quartos. O que viu deixou-a pregada ao chão. O cofre embutido na parede encontrava-se exposto, desprotegido, enquanto que o quadro que o escondia estava no chão. Quatro encapuçados, com garruços pretos enfiados na cabeça, encontravam-se no meio da grande sala, estando dois deles a lutar com o pobre Armando. Serôdio, também ele colocado ao centro do salão, tentava fazer frente aos restantes dois. Por um momento todos se imobilizaram... (em continuação- pág. 30- ex. IX)

in FILHOS POBRES DA REVOLTA

Março/2003

2 comentários:

Mari Amorim disse...

Venha 2010 e que
Tenhamos
Um novo florescer.
Que não haja trevas
Nem noites insones.
Que diante da dor
Não nos deixemos
Curvar.
Que nas lutas diárias
Haja um brado
De ousadia
E fé.
E que a Sua mão
Senhor Deus
Traga-nos sempre
Um afago
E amparo.
Amém!
Feliz Ano Novo!
bjs,
Mari Amorim

Poeta do Penedo disse...

Os seus votos tornando-se realidade, será sintoma de um 2010 muito feliz. Tenhamos pois fé, muita fé, porque Deus é grande, e é pai.
Um feliz ano novo para si Mari, recheado de concretização para todos os seus projectos.
Com amizade.