sexta-feira, 31 de outubro de 2008

BOLINHOS E BOLINHÓS EM COIMBRA


Foi no distante dia 31 de Outubro de 1970, a última vez que eu fiz parte de um grupo de miúdos, onde andei, de porta em porta, a pedir os bolinhos e bolinhós. Vivia então no Bairro da Cumeada, aos Olivais, em Coimbra. Mas por toda a cidade, da Pedrulha à Portela, os miúdos se agruparam, para assim cumprirem mais uma vez a tradição coimbrã dos Finados.
Em grupos de meia dúzia, os miúdos, em cada 31 de Outubro, percorriam as ruas dos seus bairros, levando uma abóbora oca, na qual se desenhara o que se pretendia representar como uma caveira, com uma vela acesa no interior. Iam de prédio em prédio, de porta em porta, cantando:

bolinhos e bolinhós

para mim e para vós

para dar aos finados

que estão mortos e enterrados

à vera à vera cruz

para sempre à mãe Jesus

truz truz

a senhora que está lá dentro

assentada num banquinho

faz favor de cá vir fora

p'ra nos dar um tostãozinho

No final de três a quatro horas a calcorrear as ruas de cada bairro, olhando de lado para os grupos rivais, lá conseguíamos o nosso pequeno pecúlio, constituído por alguns escudos e um saco cheio de castanhas, nozes e figos secos. Claro está que o mais precioso era o dinheiro. No meu último «bolinhos e bolinhós», o meu grupo, formado por sete miúdos, ainda conseguiu a quantia de 14$00, uma verdadeira fortuna. Correu bem aquela noite de 31 de Outubro de 1970.
Se a tradição esquecida pudesse avançar no tempo, ultrapassar o esquecimento e o desprezo pelo que é profundamente português, e hoje, à hora em que escrevo estas palavras, Coimbra estaria enxemeada de pequenos grupos de crianças, dezenas e dezenas de grupos, transmitindo à noite da cidade luzes misteriosas e cantares lúgubres, saídas de gargantas cheias de alegria e juventude.

Nesta noite de finados, Coimbra cheirava a broa
Lá morava e mora gente boa.

4 comentários:

António disse...

Mais uma boa recordação... Ao que sei, a tradição dos bolinhos e bolinhós ainda se mantém nalgumas zonas de Coimbra.

Poeta do Penedo disse...

Que óptima notícia me deu! Tudo o que preserve a alma portuguesa é de manter, porque nós, portugueses, além da nossa alma grande, pouco mais temos.

Ana Catarina Moreira Simões disse...

gostei muito .

Poeta do Penedo disse...

obrigado Ana Catarina. Escrevi este texto há seis anos, mas está mais actual que nunca, pois cada vez mais em Portugal se querem impor tradições que nada têm a ver connosco.