quinta-feira, 9 de julho de 2009

A SERENATA 36 ANOS DEPOIS


Ás ohoo do dia 1 de Maio de 2009, a minha mulher e eu estávamos na Sé Velha aguardando pelo primeiro trinado das guitarras. Nuns degraus insignificantes do magnânimo Largo da Sé Velha aguardávamos havia já quatro horas por aquele momento. Presenciámos o velho Largo tornar-se cada vez mais pequeno, até que, aos primeiros acordes, o Largo da Sé Velha era um arrepiante e compacto mar de gente.
Passaram 36 anos desde a última serenata que ali assisti, então um miúdo de Coimbra. A Queima cresceu. Os tempos são outros, dizem, a tradição já não é o que era, repetem. Não foi isso que senti. Coimbra estava ali toda, sem qualquer beliscadura, mostrando que a Academia continua a não esquecer a sua gloriosa história e tradição.
Aquelas pedras recordam o meu nascimento, porque foi aquele ar que respirei a primeira vez que respirei. Da Sé Nova à Sé Velha vai apenas a distância de uma pequena e muito íngreme rua. O ar é o mesmo. Num último dia de Abril abri os olhos e vi, com orgulho, que era conimbricense. As pedras gastas da calçada deram-me os parabéns.
O Fado Hilário foi cantado, e eu cantei-o com muita emoção. A minha alma agradeceu-me.
E se tudo isto não chegasse para naquele momento me fazer extremamente feliz, na multidão que apertava a velha Sé encontravam-se, briosamente, os nossos prolongamentos nesta vida, vestidos de negro tecido.
Cantada a última nota do último fado, sob o olhar atento da secular cabra, velha, briosa e monumental torre da universidade, que lá do alto abençoou aquela noite onde Coimbra foi cantada com elegância e sentimento , veio a saudação pela qual eu esperara toda a noite. E em sintonia com a voz da negra multidão, gritei com os olhos marejados de lágrimas o meu adorado AFRA ...
Coimbra reconheceu-me.

2 comentários:

gibson azevedo disse...

Felicito-o, caro Poeta do Penedo, por este teu raríssimo encontro com a sua alma; pois que vistes imagens já esmaecidas dos dias idos e sentistes os cheiros saudosos do passado. É assim que, nós brasileiros, nos sentimos ao som de acordes dolentes de uma serenata. Voltam-nos imagens que cuidávamos esquecidas... Surgem como flashs e nos surpreendem ante a nitidez renovada das coisas antigas. Bem-aventuradas são as plangentes serenatas, que fluem naturalmente ao som de toadas antigas. Nós herdamos, esse gosto, de vocês portuguêses de além-mar. Assim como nas suas antigas cidades, nos também cultivamos o hábito de ouvir, a noite, canções antigas que teimam em não desaparecer. Cito com muito orgulho a cidade de Diamantina, nas Minas Gerais, terra onde, o ilustre ex-Presidente Juscelino Kubitschek ouvia, prazeroso, conções antigas que lhe tocavam à alma. Perceba que, muitos sentimentos ibéricos continuam bem vivo na memória coletiva do povo brasileiro.
Abraços fraternos e "inté mais vê"!

Poeta do Penedo disse...

Muito obrigado pelo seu comentário. Coimbra é, certamente, a cidade portuguesa com maior tradição, e onde orgulhosamente se preserva.
É muito bom saber que a alma portuguesa se prolonga e eterniza do outro lado do Atlântico, nesse país lindo que é o Brasil. Na verdade, em músicas que cantam o sertão, tenho sentido uma certa nostalgia, que embora cantadas numa toada mais ritmica, têm um não sei quê de fado bem português.
Mas também lhe digo, meu caro amigo, que daí têm chegado coisas extraordinárias a Portugal. E refiro-me concretamente a um certo número de telenovelas, que me têm proporcionado grandiosos momentos de prazer, porque sensibilizo-me quando estou perante excelentes profissionais na área da representação. Na minha memória guardo verdadeiras preciosidades, tais como: Gabriela, Cravo e Canela (a primeira a passar em Portugal), Roque Santeiro...e mais umas quantas de que agora não recordo o nome. E têm actores de excelente qualidade. Para mim, um dos maiores, infelizmente prematuramente falecido- Armando Bógus.

Com amizade