sexta-feira, 13 de novembro de 2009

FARAÓ, DEUSES- O EGIPTO



...Naquela específica estação de Peret, em que, desde então, já se passaram dez mil e cinquenta e nove estações, ocorreu um evento da mais alta importância para o meu país: um novo faraó chegava ao poder. Intitulou-se Amenhotep, O Quarto. E aqui se iniciam as minhas memórias muito particulares, aquelas mesmas que apenas existem na minha textura de pedra semi-preciosa.
Antes de se apresentar aos homens, o novo faraó deveria apresentar-se aos deuses. Sim, era conveniente. O faraó, se queria ter um reinado feliz, em que perspectivava vir a reinar com justiça e sabedoria, a fim de trazer a prosperidade ao seu povo, teria de se encontrar sempre em harmonia com os deuses, pois neles iria beber os conhecimentos que dele fariam um faraó amado por todo o Egipto.
A apresentação aos deuses era feita de forma extremamente secreta. O faraó, na condição de deus entre os homens, era o único homem à face da terra, que tinha a possibilidade de contactar, fisicamente, os seres divinos. Assim, numa noite dessa específica estação de Peret, o salão real de Amenhotep, O Quarto, recebeu a visita dos deuses preponderantes na vida egípcia: Aton, Amon-Rá, Nut, Geb, Osíris, Ísis, Hórus e Ánubis. Existia ainda um deus de que todos falavam, mas do qual apenas queriam distância- Seth, o deus maldito, o deus que apenas trazia confusão e caos. Por essa razão, Seth não se encontrava no salão real. Não é que o próprio não quisesse estar presente, pois Seth adoraria abençoar o novo faraó com a sua maléfica sombra, mas tal não lhe era permitido pelo deus mais poderoso - Amon-Rá.
À luz de pequenos archotes, que iluminavam as paredes do palácio real, plenamente pintadas com ilustrações alusivas à relação existente entre o faraó e os deuses, estes iniciavam o novo rei no seu reinado, com a simbólica cerimónia da coroação do faraó, coroação essa efectuada por Amon-Rá, que na cabeça do novo faraó colocava a coroa dupla, simbolizando a união do Alto e do Baixo Egipto.
Amon-Rá, alto, bem entroncado, de cabelo loiro e olhos de um azul profundo, todo ele transmitindo energia, a própria energia do sol, envergando apenas uma leve túnica de azul celeste, pegando com ambas as mãos a coroa dupla, se aproximava do novo faraó, dizendo:
- A ti, Amenhotep, O Quarto na escala dinástica, te confiro os poderes de, nesta abençoada terra do Egipto, seres o meu representante, bem como dos restantes deuses, no mundo impuro dos homens. É teu dever e obrigação velares para que aos homens nunca falte o pão e a justiça. O pão, como símbolo da prosperidade e felicidade do povo por quem és responsável; a justiça, como garante da aplicação de todas as leis universais, ás quais tens acesso, para que a «maet» esteja sempre presente em cada dia do teu reinado. Apenas através dela conseguirás uma boa harmonia entre os homens, e como tal, entre ti e a sabedoria dos deuses a quem deves lealdade. Se tudo isto for legado do teu reinado, abençoado faraó serás.
E proferidas as palavras divinas, Amon-Rá colocou coroa dupla na cabeça do novo faraó. Este, vestindo uma túnica de um branco quase transparente, bordada a ouro, e tendo como adorno um enorme colar ao pescoço, feito de peças de marfim e pedras preciosas, que lhe cobria os ombros, parte das costas e do peito, levantou-se do seu trono, ajoelhou-se em frente de Amon-Rá e beijou-lhe as mãos. Seguidamente ergueu-se, dirigiu-se aos restantes deuses ali presentes, e um a um, pegou-lhes nas mãos, beijando-as também. Depois regressou ao seu trono e sentou-se. Olhou para todos os deuses que se encontravam na sua presença. Depois, fixando apenas o deus supremo- Amon-Rá, o novo faraó disse:
- Aqui me tens, divino e mestre Amon. O teu conhecimento e a tua vontade servirão de orientação para a minha conduta. O meu reinado irá representar a tua verdade. Que Horus me auxilie em tão enorme tarefa.
- Horus, o rei solicitou o teu auxílio. Tens algo a responder-lhe ?- perguntou Amon-Rá ao deus Horus, ali presente.
- Pelas atribuições designadas pelo concelho de Massiftonrá, cabe-me velar pela integridade moral, ética e intelectual de todos os reis, que no Egipto reinem. Amenhotep, O Quarto, podes ter a certeza de que sempre estarei atento à tua conduta, não só como rei, mas também como homem. O meu auxílio será prestado sempre que necessário; para isso bastará ao rei solicitar-mo.
- Já és faraó- disse Amon-Rá, dirigindo-se ao novo rei- reina com amor, sabedoria e justiça. Se assim o fizeres, terás ajudado a que o Egipto seja o Império dos Impérios. Toma por exemplo todo o trabalho desenvolvido pelo teu ancestral Menés, faraó a quem deves a coroa que usas neste momento. E lembra-te Amenhotep, O Quarto, não julgues que é pelo simples facto de seres coroado faraó que ganhas o estatuto de deus na terra. Chegaste a faraó por herança, mas para chegares a representante dos deuses na terra, tens de mostrar que o mereces. Os homens consideram-te o representante dos deuses no seu seio, mas nós, que somos os deuses, poderemos não ser dessa opinião. Por isso te abençoou-o e te revelo a minha confiança em ti. Em relação ao culto a que a mim farás, determino que o sumo-sacerdote do Templo de Tebas, ao deus Amon-Rá, continue a ser Masahemba.
- E porquê esse Masahemba?- perguntou o faraó.
- Amenhotep, O Quarto, a palavra de um deus não é para ser questionada - disse o deus Hórus.
- Perdão- retorquiu o jovem faraó, baixando o olhar.
- A tua interpelação não foi maldosa, eu sei. Apenas curiosidade- disse Amon-Rá em tom paternal- mas eu não quero que no trono do Egipto esteja um faraó, em cuja mente possa existir uma minúscula semente, que seja, de dúvidas. Por isso te respondo. Masahemba é filho de um homem que veio de um reino do sul, trabalhar para o Egipto. Esse homem dedicou-me toda a sua vida, a ponto de a perder, quando numa discussão, esbirros de Seth desonraram o meu nome. Já no Rio dos Mortos, em domínios de Osíris e Ánubis, eu prometi a esse homem que lhe protegeria o filho- Masahemba. O meu Sumo- Sacerdote não é egípcio, mas o seu bem estar tornou-se no juramento de um deus- o meu juramento; por essa razão Masahemba, enquanto for vivo e tiver forças para o fazer, será o meu Sumo- Sacerdote e um egípcio da mais alta estirpe. É esta a minha vontade. Nós, deuses, também temos destas coisas. Faraó Amenhotep, O Quarto, que a próxima estação de Shemu te seja extremamente favorável. Seria um óptimo sinal iniciares o teu reinado com colheitas abundantes...(em continuação- pág. 6)

in A CAUSA DE MASSIFTONRÁ

Novembro/2005

4 comentários:

Mari Amorim disse...

Poeta
que nem seu nome sei
Mas em pobres rimas
deixo-lhes luz
para que uma nova semana
possa começar.
Boas energias
Mari

Poeta do Penedo disse...

Mari

Fareleira é o meu nome. Este mesmo nome, que na pessoa do meu muito querido avô Joaquim Fareleira, se passeou e trabalhou na década de 20, do século XX, pela cidade do Rio de Janeiro, conduzindo os seus saudosos carros eléctricos. De lá veio como pai, com a sua filha mais velha, uma carioca.
Obrigado pela sua visita.

Uma óptima semana.

Gibson Azevedo disse...

Li, com muito atenção, estes escritos mitilógicos da cultura egipcia, repletos de diálogos mágicos entre divindades e um mortal; ante a isto, quedei-me ensimesmado a cavoucar minhas idéias e, infelizmente, chego a triste conclusão: neste universo em eterna expansão, até os Deuses envelhecem, fenescem e morrem.
Grande abraço deste que te admira, cá, de longe, do Brasil.
Gibson Azevedo.

Poeta do Penedo disse...

Amigo Gibson
A mitologia egípcia sempre me fascinou.
Nesta viagem que foi feita, essa questão da idade dos deuses e da sua eternidade ou não foi colocada, de forma implicita. Mas talvez se tenha concluído que estes deuses, estes especificamente, que a ametista recorda, são mesmo eternos.
Eu sei que temos saudades da juventude que nos vai fugindo; mas em contrapartida olhamos a vida, não o mundo, que esse está difícil de ser entendido, mas olhamos a vida com muito mais clarividência. Andamos por ela conhecendo já muito bem os recantos à casa.
A morte?...
Que local melhor para a explicar que o Brasil?

Com muita amizade