quarta-feira, 14 de outubro de 2009

A PÉROLA DA ESTREMADURA OESTE



Corria o ano de 1974. Portugal saudava o primeiro Outono de liberdade. Depois de ter estudado na Cidade do Conhecimento, a minha Aeminium, a Coimbra que me comprimia o coração de tristeza por já lá não viver, mergulhado na penumbra da saudade, uma saudade profunda, cantada pelos poetas do penedo, esse lugar onde as musas moram, único no mundo- O Penedo da Saudade, preparei-me para entrar num outro ambiente estudantil, sem tradição, sem praxes, que se me afigurava um deserto de ideias. Felizmente que, muito em breve, iria reconhecer que me enganara.
Chegava ao Liceu das Caldas da Rainha, localizado num encantador cadinho de magia- o parque D. Carlos I.
O parque, portas meias com o hospital termal mais antigo do mundo, revelou-se-me um verdadeiro encanto. Densamente arborizado, estava repleto de enormes relvados, onde nós, estudantes dos anos 70, nos deitávamos, aos magotes,sob as sombras das copas maciças, nos dias escaldantes de verão, discutindo sobre a liberdade, o amor livre, Pink Floyd, Deep Purple... e edificando paixões platónicas.
No inverno, a brisa fresca roçando os ramos agora despidos, transmitia-me paz interior ao meu espírito revolto.
O lago artificial era o coração do parque. Belíssimo. As suas margens atapetadas de relva, com ramagens de árvores a descerem até à água, como que sedentas sob o sol abrasador,eram o sítio eleito para soltar a jovialidade. De vez em quando algum de nós lá ia para a aula a escorrer água.
O liceu, embora ficasse muito aquém, a nível de instalações, do Liceu D. João III que eu frequentara em Coimbra, era agradável. Constituído por três enormes naves, do exterior, no parque, proporcionava uma visão arquitectónica de excelente qualidade.
Toda a cidade se me abria em simpatia. Adorava ver o reboliço da feira da fruta, ás segundas-feiras, no centro da cidade. Explorei os segredos do café Thai-Ti (já não existe), na Rua das Montras, espaço por excelência da estudantada. Conheci a velhinha e agora já extinta Casa da Cultura, onde tomei contacto com a arte da dramatização. A arte, nas Caldas, encontrava-se ao virar da esquina.
Conheci as Caldas da Rainha ainda como uma cidade tipicamente provinciana, que já não é hoje. O seu romantismo fez com que me não lembrasse tantas vezes das pedras da Sé Velha. E porque sinto nas Caldas uma frescura que me lava a alma, e porque nela se contaram páginas muito felizes da minha juventude, é pois, para mim, a Pérola da Estremadura, a zona Oeste actualmente.

4 comentários:

Gibson Azevedo disse...

Em várias nuances (espirituais), Caldas e Caicó, a nós, muito se parecem.
Grande abraço.

Poeta do Penedo disse...

Fala-me um pouco dessa cidade de Caicó, amigo Gibson. Dá-me a conhecer pormenores desse Brasil profundo.

Um grande abraço.

Gibson Azevedo disse...

Aí vai, caro amigo Poeta do Penedo, uma pequena mostra, de uma Caicó que não mais existe... Que pena, o tempo passou!...

Sessenta anos..., um velho?


Paredes grossas com arcos abobadados, tendências arquitetônicas herdadas dos nossos ancestrais ibéricos; acabamento grosseiro em tais paredes lisas - em algumas faltavam o reboque mostrando às escâncaras o adobe nu -, de muitas janelas na fachada que começavam na calçada, sem o menor recuo, colaboravam, em muito, com o seu imponente e austero aspecto à mirar a circunvizinhança de poucas habitações - rarefeitas -, lembrando levemente, na aparência e nos costumes, algumas escolas medievais. Quando o conheci tratava-se de um jovem. Na verdade, dois jovens: eu, com dez anos; e aquela obra, produto de sonhos de almas sãs, realizada na força e na fé de valentes sertanejos, contava naqueles dias com 21 anos. E acompanhando um irmão mais velho, pois irmãos era como se fôssemos, seguimos juntos por um bom tempo firmando uma grande amizade; impossível para alguns, de acontecer entre um ser vivo - racional - e cousas inanimadas. Naquela escola, percebiam-se ainda resquícios das influências jesuíticas trazidas de além mar, desde as primeiras expedições marítimas, por um Portugal de posseiros... Digo isto porque, apesar de só vir a ser fundada quatrocentos e quarenta e dois anos após o nosso "descobrimento", mantinha, sob muitos aspectos, o mesmo "status quo" daqueles longínquos dias. Relutava em não modernizar-se, mesmo tendo sido fundada em plena Segunda Guerra Mundial, no século passado; período no qual, se desencadeou uma vertiginosa seqüência de fatos e mudanças nos costumes, nas convenções, nos dogmas e nos tabus. Só com a inevitável maturação que estes novos tempos trouxeram, pôde, aquela singela cria da igreja católica, modernizar-se. No entanto, é impossível negar o cuidado, a responsabilidade e o zelo, que aquela Casa de Ensino teve no lapidar e polir, das cabeças duras daqueles jovens de antanho. Muito se deve, por gerações..., a este velhinho sexagenário; hoje reciclado e atual, revigorado nas lutas do cotidiano, e preparado para longas jornadas. E..., que todos digam: Amem!
Assim foi, e continua sendo, meu relacionamento com o Colégio Diocesano Seridoense; admiração por seus espaços físicos; deleite no refrigério das sombras das copas de suas árvores antigas; respeito ao venerando Corpo Docente; devedor eterno e contumaz dos ensinamentos curriculares e de vida que por lá adquiri; carinho ao dedicado quadro de funcionários e, um amor para além da vida, dedico aos colegas contemporâneos, meus amigos e camaradas.
Assim, repito, sinto-me com relação àquele velho Casarão. É pura sim, a incomensurável saudade...!
Natal-RN, 02 / março/2002.
Gibson Azevedo da Costa
Ex-aluno do Colégio Diocesano Seridoense

Poeta do Penedo disse...

Mas que adorável narrativa, meu caro Gibson. Na verdade, separados por tanto mar, comungamos de uma mesma forma de ver a vida, porque você, meu caríssimos amigo, preza o passado, o seu passado, tal como eu. E tal como eu, mantém viva as recordações de tudo quanto lhe deram felicidade, não somente pessoas, mesmo lugares, mesmo uma casa, mesmo uma escola...a sua escola. Pela sua descrição foi-me fácil visitá-la. Ainda hoje existem em Portugal inúmeros edifícios, a funcionarem, com paredes grossas e arcos abobadados, de arquitectura setecentista.
Esta nossa conversa tem lugar no Post sobre as Caldas da Rainha, mas as minhas enormes saudades não se relacionam com a pérola da Estremadura, mas antes com a minha profunda e fecunda Coimbra.
No passado que alimento, que mantenho vivo, porque considero que é merecedor disso,o espaço ocupado em si pelo seu saudoso Colégio Diocesano Seridoense, é ocupado em mim pelo meu muito saudoso Liceu D. João III, aos Olivais, em Coimbra. Com uma diferença:é que eu, sempre que queira, ainda o posso afagar, embora tenha agora outro nome (José Falcão) e seja um respeitável ancião, com 110 anos de idade.
Obrigado por esta crónica maravilhosa, meu caro Gibson, que me revelou muito do sentimento de uma óptima pessoa e de um cadinho da história local, na imensidão de um país que tanto tem em comum com Portugal.
Um forte abraço deste seu amigo

Fareleira Gomes