quinta-feira, 8 de outubro de 2009

UM ASSALTO EM PERSPECTIVA

...Nessa manhã, no final das aulas, um colega de turma de Serôdio abordou-o, dizendo:
- Serôdio, preciso de falar contigo.
- Fala.
- Precisamos de nos afastar.
- È assim uma coisa tão séria?
- È.
- Vamos então sair daqui.
Afastaram-se do recinto do Liceu. Ambos caminhavam sérios e apreensivos.
- Aqui já dá para falares?- perguntou Serôdio ao seu colega.
Este, antes de falar, observou bem as redondezas, certificando-se de que não havia perigo. Depois disse:
- Sim, aqui estamos em segurança.
- Quase que aposto que o assunto tem a ver com o Narciso Conde!- disse Serôdio.
- Tem mesmo- retorquiu o outro- há bocado, durante o furo, eu fui até às máquinas de flippers, mas de repente tive necessidade de ir à casa de banho, com uma dor de barriga...
- E então?
- Estava eu sentado na sanita, à porta fechada, quando o Narciso entrou na casa de banho com o grupinho dele. Reconheci-lhe a voz. Eles pensavam que estavam sozinhos. O que ali conversaram è muito grave.
- E o que foi?- perguntou Serôdio em expectativa.
- O Narciso combinou com os outros irem esta noite assaltar uma casa.
- O quê Zé? Isso è verdade?
- È. Mas há mais. A casa pertence a uma tia rica do Narciso. Parece que vive apenas com um criado negro. O Narciso disse que se for preciso até a matam.
- Zé, isso já è muita fantasia, não achas?- perguntou Serôdio.
- Olha Serôdio, isto foi o que eu ouvi. Não achas o Narciso Conde capaz de o fazer?
- Que ele è um rufião com pretensões a besta, disso não duvido. Mas daí a roubar a tia e até matá-la ainda vai um pedaço. Eles disseram onde mora essa tia?
- Parece que mora na Rua João de Moura, numa casa ao lado de uma alfaiataria.
- E o que è que pensas fazer Zé?
- Eu? Eu nada. Já fiz o que devia, contei-te.
- E se isso vier a acontecer, resolve o problema da senhora?
- Não... mas... pensei que tu...
- Estás-me a passar a batata quente para as mãos, è isso?
- Serôdio, eu não sou do género aventureiro. Tu és muito mais corajoso e afoito do que eu. Com certeza que irás pensar em alguma coisa. Por aquela senhora eu fiz o que podia.
- Está bem Zé, eu vou ver o que se pode fazer.


Serôdio percorria a Rua João de Moura à procura da tal alfaiataria. Ao certo não sabia porque motivo estava ali. Que tinha ele a ver com a possibilidade do Narciso ir assaltar a própria tia? Mas por outro lado, encontrara nesta possibilidade de assalto um forte argumento para fazer frente ao Narciso Conde, e mostrar-lhe que nem todos andavam amedrontados com a sua arrogância. Estava perfeitamente consciente de que corria alguns riscos, pois o Narciso e os seus amigos tinham instintos violentos. Mas tudo não passaria de uns murros e uns olhos negros. Talvez assim a turma pudesse respirar de alívio.
Ainda se lembrara de ir à policia, mas pôs essa hipótese de lado. Que iria dizer? Que uma casa iria ser assaltada à noite? E como explicaria ele o conhecimento desse facto futuro? Isso era muito complicado. Preferiu agir por sua conta e risco. Se algo estivesse para acontecer, isso só o beneficiaria a ele. Parecia-lhe que já estava a ver o ambiente no liceu, com todos os colegas a observarem-no com admiração e dizendo:- « o Serôdio è um herói. Sozinho fez frente ao grupo do Narciso Conde e evitou que uma velhinha fosse roubada ».
E se tudo isto não passasse de uma confusão da cabeça do Zé? Bom, iria falar com moderação. Com certeza que a senhora o compreenderia, caso nada viesse a acontecer...(pág. 11)

in FILHOS POBRES DA REVOLTA

Março/2003

2 comentários:

Jania Souza disse...

Obrigada pela visita e pelo contato. A rede aproxima pessoas por mais distante que estejam. Meu comentário foi justo, pois sua obra é relevante. Sucesso com minha admiração.

Poeta do Penedo disse...

Jania
Obrigado pelas suas palavras. Seja muito bem vinda.