segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

ECOS DE GUERRA

Do lugar em que me encontro, ao qual os homens não têm acesso, recordo a última vez que passei por esse mundo de verdadeiro purgatório, em que os espíritos que nele existem lutam e trabalham pela sua ascensão, sem disso terem consciência. Acredito que para muitos, melhor dizendo, para imensos, muito estranho significado terá o teor destas palavras; talvez mesmo não tenham elas qualquer significado. Mas não é para agradar aos homens que as escrevo. Este é o caminho que encontrei para melhor me compreender, reflectindo sobre esse percurso e mais me aproximar de Deus. Não sei se , efectivamente, Deus encontrará em mim uma maior elevação pelo facto de as ter escrito, mas impelido a fazê-lo pelo meu «eu superior», apenas me resta escrever, ou melhor dizendo, ditar para que alguém escreva por mim, convicto de que, ao fazê-lo, estou no caminho certo, percorrendo a estrada que Deus traçou.
Aqui onde me encontro, aos interesses mundanos não é dado qualquer valor. No entanto, como não é de mim, na actualidade, que estou a escrever, mas antes de quem fui na última vez que por aí passei, terei obrigatoriamente de falar dos interesses que aos homens dizem respeito.
Nunca fui grande político; aliás, não fui político de qualquer espécie. Mas a política, que é a actividade humana mais abominável para o vulgar cidadão, deste tempo e de todas as eras, é também ela que lhe determina a vida, que interfere profundamente na existência de todos os homens, quer eles queiram quer não queiram. Por isso a política é abominável! Má, hedionda, cruel, porque foi criada por mentes perversas, talvez quando os homens deixaram de ser nómadas. O mundo inteiro era a sua casa. A partir do momento em que se sedentarizaram, fizeram da sua casa um espaço muito mais exíguo, obrigando-se a viver uma existência com muito mais regras. Os mais inteligentes, porventura, tiveram então a oportunidade de se superiorizarem aos mais modestos de intelecto. E assim terão nascido os primeiros líderes, que se rodearam dos que lhes eram mais próximos, relegando para segundo e terceiro planos os restantes. Os rejeitados, vendo que a vida lhes iria ser mais difícil no interior dos grupos, arquitectaram planos de alianças com aqueles que os líderes protegiam, promovendo a intriga e a suspeita, numa tentativa desesperada de se tornarem mais fortes, no intuito de derrubarem os líderes e virem a ser eles os donos de uma vida mais rica, mais divertida e muito mais fácil. Esta, no meu sempre questionável ponto de vista, terá sido a forma como nasceu a política.
Como disse, nunca fiz política, muito longe estive dos grandes centros onde ela decorria cínica, falsa, perigosa, até assassina. Mas em mim senti bem os seus efeitos. E nesta malha, qualquer um de nós, embora não seja político, pratica a política todos os dias, pois ela nasce-nos debaixo dos pés.
Nasci em Portugal, há duzentos e seis anos, no ano de 1800. Muito má época para um homem nascer. O meu pai, um lavrador abastado, tinha uma pequena quinta, muito próxima da Mealhada, quinta essa conhecida na zona como «Malhal de Sula».
O bom povo da Mealhada não o sabia, mas no ano em que nasci haviam passado onze anos sobre um acontecimento, ocorrido muito longe, que iria determinar uma mudança profunda no viver das gentes da Europa - falo da Revolução Francesa, A Tomada da Bastilha, que teve lugar no dia 5 de Setembro de 1789. No seguimento dessa revolução, o rei francês Luís XVI foi executado na guilhotina, no ano de 1793, o que provocou um choque terrível em todas as cortes europeias, incluindo no reino de Portugal, onde foi decretado quinze dias de luto nacional pela morte do rei de França. Acho que na Mealhada o povo não andou de luto pela morte daquele rei, pois tal não lhe chegou ao conhecimento; pelo menos o meu pai não se recordava de ter andado de luto pelo falecimento desse monarca, de quem ele nunca ouvira falar. Mas das consequências dessa morte já o meu pai se lembrava bem, pois sentiu-as na carne...(em continuação, pág. 3- ex. I)

in ALMA DE LIBERAL

Junho/2009

6 comentários:

Sândrio cândido. disse...

acredito que faltou me palvras para comentar, acho que como jovem ha certas coisas que ainda preciso e tenho tempo para refletir, muito obrigado por este texto.

Poeta do Penedo disse...

Caro poeta do inverno
também a mim me faltam palavras para lhe agradecer a simpatia e o companheirismo. Se, porventura, as minhas simples palavras colaborarem para que, de alguma forma, o seu conhecimento da vida se acrescente um pontinho, sentir-me-ei muito feliz. Terei então a convicção de que não foram escritas em vão.
Deste seu dedicado amigo um grande abraço.

MM disse...

Caro Poeta,

Ao ler a parte "Mas não é para agradar aos homens que as escrevo", não pude deixar de sorrir perante a sintonia desta ideia com o meu recente texto que desde já agradeço haver comentado ("Sobre a escrita e a perda de carácter do escritor").

Furtando-me a comentar a parte religiosa visto que a minha isenção tende para o problemática, permita-me que lhe revele que o retrato da política expresso por este texto, apesar de compreensível, é um tanto pessimista de mais.

No alto (baixo) dos meus 22 anos, a política não será senão uma consequência da aplicação da actividade mental do homem ao registo social. Ela, aliás, parece-me partir por definição do indivíduo no sentido do grupo, dos seus semelhantes, mesmo que este viva sozinho ou seja aparentemente nómade por não ter um lar ou pátria.

Ela persiste em existir porque há sempre seres nossos semelhantes em quem pensar, não parecendo que seja por natureza má.

Um trecho e assunto apaixonante, este.

Marcelo Melo
www.3vial.blogspot.com

Poeta do Penedo disse...

Meu caro Marcelo Melo
a opinião que o narrador, que agora se apresenta, tem sobre a política, tem de ser entendida na perspectiva do que ele nos tem para dizer, que o leitor, obviamente, e o Marcelo Melo, em particular, ainda desconhece.
Existem, efectivamente, enormes acções que a política desenvolveu pelo bem da humanidade. Mas convenhamos que o narrador não deixa de ter alguma razão, pois que todos sabemos também a crueldade que muitas políticas têm gerado. Mas como lhe digo, ele (narrador) prepara-se para nos contar algo que muito o afectou, directamente relacionado com a política de um tempo distante.
Agradecido pelo seu sempre enriquecedor comentário.
Com um abraço.

Teresa Fidalgo disse...

Apreciei muito o texto... Talvez a seguir nos dê a conhecer, de uma forma muito interessante, aquilo que foi a nossa história...
E sim, transmite uma verdade indiscutível: A política é e faz parte do nosso dia a dia, era bom que olhassemos todos para a forma de a fazer de uma maneira mais séria...

Vou tornar-me seguidora :)

Poeta do Penedo disse...

Cara Teresa Fidalgo
obrigado pela sua visita e pelo seu comentário.
Pessoalmente encontro-me expectante relativamente ao que a politica nos trará, com forte pendor para a desilusão, talvez por começar a tomar consciência, tal como referiu, da forma pouco séria como ela se desenrola.
Em relação à nossa história, a ver vamos o que este narrador terá para nos dizer.
Briosas saudações.