terça-feira, 5 de janeiro de 2010

MASAHEMBA- O SUMO SACERDOTE


...Aquele era o templo com maior expressão de todo o Egipto. E só a ele era dada a possibilidade de entrar na casa do deus supremo, Amon-Rá; claro está que não se podia contar com o Sumo-Sacerdote, nem com as sacerdotisas, pois esses eram parte integrante do templo.
A liteira parou. O cortejo real chegara mesmo junto ao pórtico. Escravos colocaram-se de cócoras, servindo de degraus, para que o divino rei pudesse sair da liteira comodamente. Alguns escravos, que previamente se haviam colocado junto ao colossal pórtico, munidos de compridas trombetas, vendo chegar o cortejo real, haviam tocado os seus instrumentos, pelo que, à chegada do faraó, já o Sumo-Sacerdote abrira as enormes portas, de par em par, no que foi ajudado pelos escravos, que para fazerem tal tarefa, teve o Sumo-Sacerdote de lhes vendar os olhos, para que olhares ímpios não tornassem impuro o purificado ambiente do templo.
O faraó, nas duas ou três vezes que acompanhara o pai ao templo, já vira aquele Sumo-Sacerdote. Era pois aquele o tal Masahemba, protegido de Amon-Rá. Era um homem bastante jovem, não ultrapassando as setenta e cinco estações. Era alto. Não utilizava qualquer tipo de adorno no corpo. Como vestes envergava apenas uma peça de linho puro, que lhe estava cingido à cintura, caindo até aos pés, surgindo de tronco completamente nu. Notava-se que nas veias lhe corria sangue de preto e de branco. Desde a cabeça aos pés, não tinha o Sumo-Sacerdote um único cabelo. A pele brilhava-lhe. O Sumo-Sacerdote untara-se de óleos purificantes. Convinha fazê-lo, pois recebia o faraó.
Amenhotep, O Quarto, avançou em direcção ao Sumo-Sacerdote. Conforme caminhava, via os súbditos ajoelharem-se e encostarem a testa ao chão. Não seria de boa conduta olhar o faraó de cabeça levantada.
Chegado o faraó junto do Sumo-Sacerdote, este ajoelhou-se e beijou os pés do seu rei. Era-lhe permitido tocar o faraó, na condição de sacerdote de Amon-Rá. O Sumo-Sacerdote só se ergueu quando recebeu a ordem do faraó para o fazer.
- Como te chamas?- perguntou o faraó ao Sumo-Sacerdote, como se não soubesse a resposta.
- Masahemba, divino senhor- respondeu o Sumo-Sacerdote, com um sorriso, observando o rosto do faraó.
- Como te atreves a olhar-me nos olhos ?- perguntou o faraó, com expressão de desagrado.
- Tu és jovem, meu divino senhor. Decerto que ainda não tiveste tempo de te informares sobre o que me é permitido fazer. Mas eu digo-te: sou um homem, mas não um simples homem. Estou um degrau acima da condição humilde de qualquer homem, em relação a ti, pois tenho a capacidade de me comunicar com Amon-Rá. A tua veneração ao magnânimo deus Sol, a ele chegará, mas terá de ser obrigatoriamente através de mim. Por essa razão ganhei o direito de te poder olhar nos olhos.
- És então uma espécie de deus !
- Não, divino senhor. O meu ser, por mais radioso que seja, não conseguiria aniquilar a sombra do mais humilde dos deuses. Sou apenas um homem a quem Amon-Rá dá ouvidos.
- És influente ?
- Não, divino senhor. Nem tu, feito de realeza, podes ter influência sobre as decisões divinas, quanto mais eu, um humilde servo.
- Acho-te arrogante, Masahemba. Não simpatizo contigo.
- Entristecem-me as tuas palavras, divino senhor. Eu estou aqui para te servir.
- Já que aqui estás para me servires, eu quero que tu substituas um dos meus escravos no transporte da minha liteira.
- Não o posso fazer, divino senhor. As minhas funções de teu servo, baseiam-se exclusivamente na tua devoção a Amon. Fora disso não te poderei servir.
- E se eu te obrigar ?
- Eu fá-lo-ei… mas talvez tenhas algumas explicações a dar a Amon-Rá.
- Eu estava a brincar contigo- disse o faraó com um sorriso.
- Ainda bem, divino senhor. Quando quiseres entrar no templo…está sempre tudo preparado para o teu tributo a Amon.
E ambos se internaram pelas sombras do templo. O Sumo Sacerdote guiou o faraó até a um enorme salão, onde as paredes estavam juncadas de pinturas que referiam a junção do Alto e do Baixo Egiptos. Ali, o faraó foi deixado sozinho, para que pudesse entrar num período de reflexão, e assim, espiritualmente, se aproximar do deus Amon-Rá.
Por seu turno, o Sumo Sacerdote Masahemba dirigiu-se a um tanque sagrado, no qual, por intermédio de canais, a água entrava, vinda directamente do rio Nilo.
Depois de descer uma pequena escadaria, tocou com os pés a água. Fechou os olhos e submergiu-se até ao peito. Durante algum tempo procedeu ás abluções. Com as mãos servindo de conchas, lançou água por todo o seu tronco; depois, purificado, foi ter com o faraó. Em pleno silêncio fez-lhe sinal para que o seguisse, e na sala mais isolada do templo, em frente a um tabernáculo, envolto em fumos provenientes da combustão de plantas sagradas, deu início ao ritual de oração a Amon-Rá, em que, tendo os braços estendidos na direcção do tabernáculo, dizia que ali ficariam depositados todos os sentimentos de amor e preces, que naquele dia o deus na terra Amenhotep, o quarto, ali viera oferecer...(em continuação, pág. 13, ex. IV)

in A CAUSA DE MASSIFTONRÁ

Novembro/2005

2 comentários:

MM disse...

Viva, Poeta

Neste trecho, achei curioso que o respeito hierárquico fosse aferido em termos de controlo do olhar e não pela via da comunicação oral.

Tratar por tu o faraó parece-me mais desrespeitoso do que olhá-lo nos olhos, mas isto vale o que vale.

Atentamente,

Marcelo Melo
www.3vial.blogspot.com

Poeta do Penedo disse...

Viva meu caro Marcelo Melo
É absolutamente pertinente a sua observação.
Todos somos influenciados pelo que consideramos, na nossa perspectiva, ter sido criado com uma qualidade que nós próprios gostaríamos de, pelo menos, ser capazes de nos aproximar. E como a minha capacidade de pesquisa é muito limitada, e se levarmos em conta que estamos na época do Egipto antigo, e que a questão se relaciona com uma forma de expressão, fui completamente influenciado por grandes obras literárias que retratam épocas muito remotas, em que os súbditos, tratavam por tu o seu soberano, talvez porque ainda não tivesse sido criado outro tipo de tratamento. Mas era um tu pronunciado com o nariz a tocar quase nos pés.
Muito satisfeito por o voltar a ter aqui (afinal, na blogosfera é um dos meus primeiros amigos), ciente de que a sua presença enriquece este blogue (a inteligência é sempre bem vinda), o cumprimento com um grande abraço.