sábado, 5 de setembro de 2009

AINDA NO PLÁCIDO CHOUPAL

...Os dois rapazes estavam atónitos, sem reacção para falarem, perante aquela torrente de língua portuguesa de tão difícil assimilação. Por fim Duarte disse:
- Em 1996 nós os dois já cá não estamos.
- Estão, estão, isso vos garanto eu.
- Mas já seremos bem velhos- exclamou Victor.
- Engano o vosso- respondeu o Viajante- sereis tão jovens como agora sois. Apenas o revestimento exterior terá envelhecido. E isso que diferença faz?
- Se formos vivos, já estaremos tão « caquécticos» que se calhar nem nos vamos lembrar da vossa nova aparição- volveu Duarte.
- Não empregues o «se», porque para nós «ses» não existem. Vocês estareis vivos sim. Se não vos lembrardes desse dia è sinal de que já não sereis « o agente condutor». Relativamente à vossa velhice, è garantido que esses rostos que hoje são belos e palpitantes de juventude, estarão sulcados de rugas e desinteressantes. Mas isso não tem o mínimo de importância, pois è matéria. A vossa essência, a vossa alma, essa terá a idade que tem hoje e esperemos que se mantenha luminosa. E è aí que reside o nosso interesse, o interesse do cosmos. Mantendo-vos vós unidos, leais, fraternos, dais oportunidade a que toda a vossa espécie se regenere. Extinguindo vós a vossa amizade, será sinal de que o homem do planeta Terra caminhará para o egoísmo, a desventura, a senilidade mental e espiritual, e muito trabalho teremos nós pela frente para vos conseguirmos recuperar. E não esqueçais, Victor e Duarte, daqui a cinquenta e um anos, quando nos voltarmos a ver, será então indispensável que esses mesmos dois livros estejam juntos, indicando então o nome do autor, pois será através deles que os bons fluídos sensibilizarão os nossos sentidos. E foi isto que aqui nos trouxe. Quereis ser esclarecidos sobre mais alguma coisa?
- Os seus companheiros não falam?- perguntou Duarte.
- Não estão autorizados- respondeu o Viajante.
- Porquê?- questionou de novo Duarte.
- Porque esta missão foi-me única e exclusivamente atribuída. Como tal, somente eu posso conduzir o diálogo.
- A isso se chama rigorosidade extrema- comentou Duarte.
- Eu chamo-lhe disciplina. E a disciplina è a mãe da ordem. E sem ordem não há harmonia. E sem harmonia não há equilíbrio. E viver no desequilíbrio è descambar para a nulidade, a mediocridade, o anti-ser. Como vês, umas coisas levam a outras, para o bem... e também para o mal.
Enquanto Duarte se refazia da resposta que lhe tinha sido dada pelo Viajante, Victor perguntou:
- Como se chamam os seus companheiros?
Viajante recuou alguns passos e colocando-se no meio dos outros dois homens, disse, acenando com a cabeça na direcção de cada um deles:
- Este è o Lyutck-en e este è o Pwntck-en- os dois homens ao ouvirem os seus nomes serem pronunciados, sorriram levemente e em jeito de cumprimento baixaram as cabeças.
- Porque razão è o seu nome composto por uma palavra simples e o deles è tão complicado?- perguntou Duarte.
- Tu mesmo já deste a resposta- disse Viajante saindo do meio dos seus dois companheiros- a simplicidade irradia luz. Sendo eu quem está incumbido de vos contactar e de vos acompanhar espiritualmente, tornar-se-iam as nossas comunicações mais densas e difíceis se vocês não recordassem o meu nome. Por essa razão criou-se um nome terrestre e logicamente português, que esteja directamente ligado à minha actividade, que è viajar. O vosso entendimento instintivamente ligará viagem a viajante, e assim, Viajante será um nome que nunca mais esquecerão. Ainda se lembram como se chamam os meus companheiros?
Os dois rapazes forçaram a memória, mas a única resposta que deram foi um riso um tanto ou quanto embaraçado. Viajante riu com vontade. Depois, mantendo-se sério, atravessando os dois rapazes com o seu olhar penetrante e meigo, disse:
- Meus amigos, a mensagem foi transmitida e entregue. È hora de partirmos. Embora seja já noite, que isso não vos apoquente. Nada vos afectará, e em vossas casas, os vossos pais não vos aborrecerão por causa da demora. Eles estão tranquilos porque sabem que vocês estão bem. Até mil novecentos e noventa e seis! Desejo que a vossa amizade e a vossa solidariedade aumente e prolifere. Que Deus esteja sempre convosco.
Viajante e os dois companheiros viraram costas e desapareceram no arvoredo, do outro lado da clareira. Victor e Duarte ali se encontravam, lado a lado, inertes, braços caídos, observando o luminoso choupal.
Atravessando um espaço temporal sem definição, num momento vislumbravam as árvores do choupal, no momento seguinte encontravam-se no meio das árvores que formavam um pequeno parque, existente na Avenida Sá da Bandeira...(pág. 26)

in VISITADOS

Novembro/1999

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