segunda-feira, 21 de setembro de 2009

NA CASA DAS LEIS

...Se por artes mágicas fosse possível transformar o Bombarral na lendária cidade de Tróia, Luísa Avilar seria a divina Helena. No rosto tinha a doçura do mel e a suavidade da seda. Os olhos grandes e negros traduziam um olhar meigo e sensual. Os cabelos pretos e compridos compunham um quadro de transbordante beleza feminina. A voz, de timbre metálico, chamava a atenção a qualquer ouvido. Principalmente àqueles que estivessem sintonizados com sons divinais. Toda ela transparecia sensualidade. Era de facto uma mulher bela e sedutora, capaz de fazer nascer paixões arrebatadoras. Por ela muitos actos loucos se teriam praticado, caso ela o tivesse permitido. Mas como era uma mulher de moral sólida, na vida vivia sozinha, embora sentisse que quando a paixão lhe batia à porta, se transformava numa afectuosa e ardente amante. Vivera já essa experiência com o seu falecido marido. Com vinte e nove anos de idade, Luísa Avilar estava viúva havia três anos. Ficou com duas crianças para sustentar - o Carlos Avilar, que para o mundo era seu filho legítimo e a Rosa Avilar, filha do seu casamento com o António Avilar. Mas o passar dos anos esbateu esta diferença abissal entre as duas crianças. Já em 1914, pelo nascimento da Rosa, Luísa esquecera por completo que o Carlos Avilar era filho de uma noite de malvadez. Ao infortúnio que lhe bateu à porta em 1918, reagiu com tenacidade, trabalhando onde quer que lhe pagassem. Seu pai veio em seu auxílio. Oleiro de profissão, com mestria moldava o barro e com muita simpatia vendia as peças nascidas da sua arte. Por isso granjeara estima e consideração. Foi assim que conseguiu com que a sua filha Luísa Avilar fosse trabalhar para a rica casa do advogado Sebastião Lima Afonso, moradia a que muitos chamavam “a Casa das Leis”. Ali, Luísa trabalhava como criada. Após a morte do seu marido abandonara a Quinta do Louro. Os seus dois filhos dividiam o tempo entre a casa dos avós e a Casa das Leis, onde acompanhavam a mãe enquanto ali trabalhava. O Carlos, com doze anos de idade, frequentara já a escola primária, tendo a mãe esperanças de que ele brevemente pudesse entrar no Liceu de Caldas da Rainha. Para tanto bastava conseguir reunir condições económicas. E sentia-se na obrigação de o fazer. Conhecendo bem a origem do seu filho adoptivo, Luísa não queria privar aquele rapazinho de instrução, que caso o destino não lhe tivesse sido adverso, ele por certo teria. Fora criticada por muita gente por ter levado o menino à escola. Afinal, o pequeno, na escola tivera por companheiros apenas os filhos dos senhores ricos da região. Mas era assim que ela queria que fosse. O seu menino tinha mais fidalguia que os outros todos juntos. A prova estava no que a professora lhe dissera um dia - “sabes Luísa, fizeste muito bem em meteres o Carlos a estudar. Ele é muito inteligente. E é delicado no trato. Parece ser filho de fidalgo” -. Nessa ocasião Luísa engolira em seco. Por tudo isso tinha de se sacrificar para dar uma educação esmerada ao pequeno. Essa também fora a vontade do seu falecido marido.
Na Casa das Leis encontrara um razoável meio de subsistência. Mas havia ali um senão - o único filho dos donos da casa. Tal como o pai, Américo Pereira Afonso também era advogado. Formara-se em Coimbra havia um ano. Rapazola de carteira bem fornecida, levara uma vida académica pouco recomendável em benefício de muitas noites de boémia bem vividas. Por isso, aos trinta e três anos de idade apenas exercia a sua profissão havia um ano. Solteiro por convicção, tinha muita experiência no que respeitava ao sexo oposto. Luísa ouvira-o uma vez falar com a mãe, dizendo que casar era um passo muito delicado. Na sua vida em Coimbra, vira muitas situações que não desejava viver. Para ele, ser solteiro era uma questão de honra. Que mal lhe teriam feito as mulheres?
Mas a maneira como o jovem advogado a olhava, perturbava-a. Não era um olhar malicioso. Antes seria um olhar de quem nela perdera algo. E não era mentira. Américo perdera o juízo. Todos os deslumbrantes atributos femininos de Luísa alteraram por completo a concepção que Américo Afonso fazia do casamento. Aquela Vénus, entrar no seu quarto, fazer a sua cama, arrumar os seus objectos pessoais, eram simples actos que lhe afogueavam o espírito. Após se ter formado regressara a casa dos pais. Ali veio a encontrar Luísa. Algum tempo depois ardia de paixão...(pág. 60)

in QUANDO UM ANJO PECA

Março/1998

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