segunda-feira, 7 de setembro de 2009

SAUDOSO LICEU D. JOÃO III



Há coisas que, na vida, nos marcam para sempre. Na minha vida, uma delas foi o facto de ter sido aluno do Liceu D. João III. Provavelmente, nesse sentido, pesa a circunstância de ter deixado de viver na minha querida Coimbra, logo a seguir à revolução de Abril. Tendo ido estudar para uma outra cidade, conhecendo um outro liceu, tive consciência da grandiosidade do D. João III, tanto a nível de instalações e condições de ensino, mas principalmente da magnitude da tradição que o D.João III representava na tradição estudantil coimbrã.
No meu tempo, até 1974, existiam em Coimbra três grandes liceus: o D. João III, o D. Maria e o D. Duarte. Os dois primeiros localizavam-se muito próximos um do outro, tendo a separá-los a íngreme descida dos Lóios. Já o D. Duarte ficava para lá da Ponte de Santa Clara, um liceu recente, com uma outra mentalidade, a mentalidade emergente do declínio do Estado Novo, porque era essa coisa esquisita de ser um liceu misto. Pelo contrário, e obedecendo aos bons costumes, o D. João III era masculino e o D. Maria feminino. Nada de misturas.
Do D. João III retive alguns aspectos deliciosos e verdadeiramente peculiares: a praxe do abaixa bicho, iniciação à rigorosa praxe académica, única no país (o resto são meras imitações), preparação para envergar anos depois a capa e batina; O «Pianinho», um simpático senhor que em frente à enorme escadaria circular do liceu, sempre munido da sua enorme ceira, vendia as mais deliciosas pevides que alguma vez comi; a eterna professora de português Lucinda Gomes, como já não há, e o seu já naquela época decrépito vw carocha, uma preciosidade; o inigualável professor de educação musical- «porque burreais», que tinha a ambição de fazer de nós verdadeiros Mozarts. Quando nos riamos nas suas aulas, e riamo-nos muitas vezes, com estranheza nos perguntava- Porque Burreais? Claro, burros são todos os que riem sem qualquer motivo; e o extraordinário professor de religião e moral- o padre Urbano Duarte, que para nos despertar o interesse pela disciplina criava excelentes rúbricas, como o inesquecível «Caso da Semana», e o genuíno e subtil humor, que nos fazia rir até ás lágrimas. É claro que a aula de religião e moral do padre Urbano Duarte, ás quintas-feiras, era sempre aguardada com enorme expectativa.
Mas o que o D. João III mais tinha de interessante era, sem dúvida nenhuma, o D.Maria. Aquela inexpugnável e apelativa fortaleza, guardada por espessas e altos muros, onde viviam aqueles seres tremendamente apetecidos, vestidos de batas cor de rosa. Meia volta, volta e meia, aí íamos nós, os alunos do D. João III, em direcção aos Lóios, ansiosamente na esperança de que a apertada vigilância tivesse algum deslize, e pudéssemos ter dois dedos de conversa com as alunas do D. Maria. Em Maio de 1974 entrámos, pela primeira vez, no D. Maria. Embasbacávamos.
Acabávamos de entrar no céu.

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