domingo, 13 de setembro de 2009

É BELA A PALAVRA DEMOCRACIA

Homens e mulheres de azul vestidos, que centímetro a centímetro conquistais a indiferença, o desprezo e o desrespeito da maioria daqueles que convosco partilham as ruas da vossa cidade, o que vos move a serdes o bode expiatório do vosso país, onde os maus fígados da vossa sociedade despejam a imunda bílis, onde os maus carácteres, por força de uma democracia para vós sem direitos, encontram a abençoada oportunidade, para no azedo da sua vil perfídia por momentos terem no rosto a agrura de vítima? Que vos move a terdes esse humilhante papel? A louca veleidade de tentardes ser abelhas obreiras num jardim sem néctar? O amor ao interesse público, o interesse do público que de vós desdenha? Esta sociedade è uma mãe megera, pois megeras são todas as mães que descriminam alguns dos seus filhos.
È brilhante e bela a palavra democracia.
Também por momentos, bela e brilhante pareceu ser a perspectiva de vida daquele homem necessitado, a quem foi oferecido um emprego numa determinada empresa. As instalações eram óptimas, modernas e acolhedoras. Foi-lhe dito que trabalharia num determinado escritório. O homem necessitado nele entrou. Era uma divisão excepcional: bem iluminada, maravilhosos quadros nas paredes, poltronas de cabedal, uma imensa secretária de fino metal, computador, internet, telefone particular, jornais diários pois a informação era a chave do negócio. O peito do homem necessitado era pequeno para albergar tanta alegria.
Preparava-se ele para, pela primeira vez se sentar na cadeira almofadada, quando aos seus já descontraídos ouvidos chegou um horrível grito de aviso. Que não se sentasse, pois aquele não era o seu local de trabalho!! Tinha havido um pequenino equívoco. Para aquele local viria trabalhar o filho do senhor engenheiro, do senhor doutor, do amigo de ambos. O homem necessitado iria executar as funções de técnico especializado de despoluição orgânica de sanitas, técnico especializado de manutenção específica das condições de utilização dos recipientes de escritório, técnico especializado da descontaminação de micróbios das vias internas de circulação da empresa.
O homem necessitado, de fato macaco vestido, assim passou a viver o seu dia a dia, desgastando-se incansavelmente, não tendo braços para tanto micróbio. Na sua humilde e triste condição, sonhando por vezes com um lugar ao sol que um dia lhe fora prometido, lá foi compartilhando o espaço daquela hipocrisia com a opulência e riqueza dos restantes colaboradores. Afinal, para o homem necessitado, aquela empresa pareceu ser o que para a sua particular realidade nunca foi.
Sociedade de Gestão de Sentimentos e Ideias à Portuguesa Actuando Ldª, era o nome da tal empresa.
Tal como o homem necessitado daquela empresa, também os homens e mulheres de azul vestidos, na nossa sociedade são aceites, disso não há dúvidas... mas, a troco de serem uns fiéis seguidores do servilismo, aos quais se tira o direito ao pensamento, ao sentimento, e à inteligência, para assim a nossa mesma sociedade poder ter sempre um escape, para onde possa depositar as frustrações do quotidiano.
Tu, azul destes homens e mulheres, de que estás à espera para reivindicares um pouco da tão falada democracia?
Sim, eu conheci um desses homens vestido de azul. Fui seu colega. Por incrível que a muitos e muitos isso possa parecer, era um homem igual a todos os homens que se vestiam de outras cores, que não o azul. Esta è a sua história... (pág. 3)

in FILHOS POBRES DA REVOLTA

Março/2003

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